terça-feira, 6 de março de 2007

O POETA MORTO

Barbearam-no e vestiram-no de preto,
Calçaram-lhe sapatos de verniz.
Moscas varejas chupam-lhe o nariz,
E ele mantém-se pálido e correcto.

Cheira a cera no quarto, já repleto
Do que há de mais distinto no país:
... Um general, dois lentes, um juíz...,
Com ar triste, imbecil, grave e discreto.

Logo, os críticos sérios e carecas
Folhearão no pó das bibliotecas
Um livro caluniado enquanto vivo

Esse a quem chamam hoje ilustre e augusto
Porque... porque ele, agora, é inofensivo
Como qualquer estampa ou qualquer busto!


JOSÉ RÉGIO
(1901 — 1969)