quarta-feira, 14 de março de 2007

PENSAMENTO DO DIA

(...) — Portanto: uma ode pindárica a um fatigado, em vez de a um triunfador! À comunidade do Pentecostes, como ela recebeu o espírito, concebo-a eu fatigada, sem qualquer excepção. A inspiração da fadiga diz, não tanto o que deverá realizar-se, como aquilo que não deverá ser feito. Fadiga: o anjo que toca o dedo daquele rei em seu sonho, enquanto os outros reis, sem sonhos, prosseguem no seu dormir. Fadiga saudável — por si só, ela é já o repouso. Um certo fatigado como um outro Orfeu, em redor dos quais se aglomeram os animais selvagens e, enfim, podem estar co-fatigados. A fadiga, conduz o solitário no seu isolamento. Philip Marlowe — ainda enquanto detective privado — na solução dos seus casos, tornava-se tanto mais capaz e sagaz, quantas mais noites passava em claro. Ulisses, fatigado, conquistou o amor de Nausíca. A fadiga rejuvenesce como nunca foste tão jovem. A fadiga tanto mais, quanto menos eu. Tudo na sua, na paz da fadiga, se torna espantoso (...)
Peter Handke, in Para uma Abordagem da Fadiga (título original: Versuch Über die Müdigkeit), tradução de Isabel de Almeida e Sousa, edição DIFEL, Lisboa, 1989.