quinta-feira, 13 de setembro de 2007

FILME PARA HOJE (1)

À Flor do Mar, João César Monteiro.
O filme é de 1986, e foi nesse ano, dos meus «vinte anos» — meu leitmotiv recorrente ou, se preferirem, lengalenga —, que o vi. No Fórum Picoas. Ou talvez não. Não tenho a certeza. A recordação traz-me à memória o rosto de Laura Morante. Paradigma da beleza mediterrânica. E depois há o mar. Muito mar, rimando sempre com calor e paixão, como não podia deixar de ser. O ritmo é sereno, fluido, aquático. Mas o filme é solar, poderoso, fáustico até. Por outro lado há a terra, ou não fosse também ela uma fita de mulheres, com homem fragilizado dentro e tudo. Quanto às imagens melódicas: ecoam nos meus ouvidos, ao convocar mentalmente a banda sonora, como que trazidos por mágico búzio, os acordes da mais bela música erudita. Lembro-me ainda, logo a abrir, ou por aí assim, de um extraordinário monólogo erótico em off. João César põe na boca de uma jovem mulher uma das mais sensuais descrições do sexo feminino que ouvi. A película parece que tem sabor, toda ela oferecendo ao nosso paladar iguarias do oceano, e outras, convidando-nos para um repasto dionisíaco. A palavra é central, e anuncia o ciclo de comédia, que virá a seguir com a sublime «trilogia de Deus», mas aqui o registo é ainda de tragédia. Antes assim, que a vida não é só paródia. Não me consigo lembrar de quem me acompanhou. Bem sei que ia muito vezes sozinho ao cinema por esses dias. De qualquer forma, a quente, o filme só deu Laura Morante, para mim. Dois anos depois, ao avistá-la — estava ela em Portugal, novamente, em filmagens — na pista do Frágil, aproximei-me, dancei junto da diva, e, num impulso, disse-lhe ao ouvido o que tinha a dizer. O olhar e o sorriso, que dela recebi em troca, ficaram-me para sempre gravados na alma. Talvez os anos tenham assassinado o filme. A ver vamos, hoje à noite, na Cinemateca.