segunda-feira, 15 de outubro de 2007

LÁGRIMA

Cheia de penas me deito
E com mais penas me levanto
Já me ficou no meu peito
O jeito de te querer tanto


Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho contigo


Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer


Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar


AMÁLIA RODRIGUES
(1920 — 1999)

Tenho uma enorme dificuldade em chorar. E faz falta. Para desentupir os canais lacrimais. Para lavar a alma. Há duas ou três coisas que são tiro e queda. Esta letra na voz de Amália é certinho. Desgraçadamente não tenho a canção à mão. Bem necessitado estava de a ouvir. O pior que poderia acontecer era descobrir que já não tenho lágrimas. Quando as lágrimas secam é porque o coração se tornou de betão armado. Acontece. Para se blindar contra o mundo-cão. Mas também sei que basta um carinhoso miminho para se derreter todo. E uma palavra certeira para desatar a bater acelerado.