domingo, 2 de dezembro de 2007

A BEM DA VERDADE (AINDA A HISTÓRIA DE PORTUGAL)

Por manifesto interesse histórico e cultural, publico aqui este texto recebido por e-mail. Não indico o local de publicação prévia, porque não me forneceram essa indicação.

Quem tiver lido história ou literatura espanhola, ou conhecer alguma oratória política ou alguma colecção de jornalismo ou de ensaios, sabe que a "guerra de independência" ocupa um grande lugar na imagem heróica do país. Deste lado da fronteira, a "guerra da independência" recebeu o nome inócuo e neutro de "guerra peninsular" e foi quase universalmente esquecida. Há cem anos, num momento perturbado ("ditadura" de João Franco, assassinato de D. Carlos, acessão de D. Manuel) ainda a Monarquia tentou comemorar a resistência ao invasor (e ao ocupante) com uma certa dignidade: o Exército encomendou livros, houve conferências, D. Manuel presidiu a uma reconstituição da batalha do Buçaco. Em 2007, só a imprensa, durante uma semana, se lembrou do assunto e, em balanço, sem gastar muito espaço. Ninguém já conhece o monumento à guerra peninsular como tal (é anonimamente o "monumento - ou a estátua - de Entrecampos"). Ninguém ouviu falar num dos maiores livros da língua, publicado pela última vez por volta de 1980 e hoje completamente esgotado: a História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, de José Acúrsio das Neves. Como também não se encontra o El-Rei Junot, de Raul Brandão, e já não se lê Arnaldo Gama - o Sargento-Mor de Vilar e o Segredo do Abade - ou A Caçada do Malhadeiro, de Ficalho. E pouca gente se lembra da descrição dos tumultos do Porto contra os "jacobinos" no princípio do romance de Camilo Onde está a felicidade?. Verdade que não apareceu por aqui nenhum Goya, nem os Fuzilamentos do 2 de Maio, nem Os Desastres da Guerra. De qualquer maneira, a ignorância da "guerra da independência", despromovida a "peninsular", é triste. Por que sucedeu isto? Por causa da subordinação cultural de Portugal à França e ao mito da França como "libertadora da humanidade" (que não se adaptava bem à razia de Bonaparte). E por causa do republicanismo, que nunca desculpou à Igreja, ao "Antigo Regime" e própria Monarquia liberal a defesa do país contra a "revolução", mesmo sob a forma do império napoleónico. O homem da época passou a ser Gomes Freire de Andrade, um traidor que lutou até ao fim pelo inimigo. Quando por aí a inconsciência política resolve apelar ao patriotismo, nunca me esqueço da omissão e distorção da nossa guerra da independência contra a França. O Portugal moderno nasceu torto. Como, de resto, se viu no PREC.
Vasco Pulido Valente, 23.11.2007.