terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

AUSENTE

Estou longe de mim. Tudo o que eu fui
Erra no tempo. Amei e fecundei.
Certo jardim, à tarde, onde passei,
Em cor e olor minha alma restitui.

Eis-me no ocaso. A luz evoca e aflui
P'ra além de mim. E, príncipe, reinei...
Doido, hoje sirvo o imaginário rei.
Sou a saudade — a onda que reflui.

Curvo o olhar sobre mim e não me avisto.
Falo d'além: voz de eco e longe; ausente,
Crucifiquei-me em sombra, vivo em Cristo.

É noite e sangro, o sangue em mim se exalta;
Ressurjo... luar... eu-próprio, frente a frente,
Tocou-me Deus: a Ausência é a cruz mais alta!

MÁRIO BEIRÃO
(1890 — 1965)