segunda-feira, 28 de julho de 2008

DA LIBERDADE

O velho professor — durante anos-a-fio — apaixonou-se sempre, secreta e platonicamente, por uma aluna de cada nova turma. Ia, assim, buscar inspiração, para chegar mais além nas matérias que leccionava. As suas improvisadas dissertações, a partir de temas clássicos, e que cativavam pela surpreendente imaginação, alimentavam-se dessa tensão erótico-intelectual, sem que, no entanto, alguém, alguma vez, tivesse descoberto tal (começando pelas suas próprias musas).
Certa vez, ao fim de trinta anos, já à beira da reforma, entrou na sala, cheia com novos alunos, e não encontrou — à primeira vista, como habitualmente acontecia — o novo luminoso objecto do seu inconfessável desejo. Não sentiu a mínima hesitação: sem uma única palavra, saiu do anfiteatro, e nunca mais regressou à Universidade. De seguida, retirou-se para paragens distantes; e, de lá, começou a escrever a todas as dezenas de musas, que guardava bem vivas na memória, começando pela primeira. Uma a uma, muitas foram-se juntando a ele. E, com ele, vivem hoje várias numa ilha deserta dos mares do Sul, em harmonia com a Natureza, e praticando um retorno diário à ancestral e criativa arte peripatética.
Tendo tomado conhecimento desta insólita e perigosa situação para a ordem mundial, altos representantes de múltiplos Estados reuniram-se — de emergência —, preparando uma missão especial de «libertação» da ilha. Seja o que Deus quiser.