A DE AUTOR
Alfred Hitchcock nasce, em Londres, em 1899. Sendo, pois, à partida, um homem directamente herdeiro do espírito do século XIX, revela, no entanto, um extraordinário sentido de utilização dos modernos meios de marketing e publicidade (antecipando-os), para divulgar as suas obras. Cedo irá transformar em marca o seu nome, tornando-o reconhecível e apetecível para toda a comunidade mundial de cinéfilos, e, mesmo, para os grandes e despersonalizados públicos generalistas. Revela-se, ainda, e dentro desta estratégia de comunicação global, um especialista nas relações públicas; especialmente com a imprensa, com o objectivo de se promover.
Dito isto, há que afirmar, de imediato, que toda esta comunicação era apenas a ponta-de-lança de uma Obra complexa e profunda.
Hitchcock, oriundo de uma família de classe média-baixa, é instruído pelos Jesuítas. Se refiro este facto é porque os seus filmes virão a reflectir uma série de conhecimentos que terá assimilado nos seus estudos feitos numa escola católica destes, bem conhecidos pela vasta cultura que forneciam; terá, também, através dos referidos Jesuítas, tomado contacto com Chesterton, que lerá entusiasmado na juventude. Outras influências literárias que o marcaram, mais tarde, como auto-didacta, foram Poe e Wilde.
Por outro lado, devorava jornais e lia revistas de criminologia e de Cinema. Curioso é constatar o casamento entre estas fontes de inspiração para o seu despertar como autor de filmes. Os seus temas serão, principalmente, os seguintes: falsos culpados, assassínios, trocas de identidade, medo, voyeurismo, paixões frias mas arrebatadoras.
Porém, antes de chegar à realização de fitas, começa por desenhar intertítulos para filmes mudos, escrever argumentos e trabalhar como assistente de realização. Esta conjugação, de conhecimento prático da técnica cinematográfica com a cultura que ia adquirindo pela leitura, possibilita uma mestria na criação das suas narrativas fílmicas, apimentadas com o tão apregoado suspense.
Na Sétima Arte, Hitch (gostava de ser assim tratado) bebeu de várias fontes: Fritz Lang e Murnau — esses dois mestres do mudo alemão — foram determinantes para a estruturação da sua linguagem estética. Esteve na UFA — os grandes estúdios de Berlim — e conheceu-os pessoalmente. Lá trabalhou e lá filmou. Esta marca será visível, claramente, nos seus filmes mudos; e, mais subtilmente, nos sonoros.
O seu género eleito será o melodrama policial, pontuado de fantástico e de mistério. Esbate, pois, assim, as fronteiras de vários géneros convencionais, criando uma abordagem própria, com elementos retirados de todos eles.
No que toca à realização, o seu estilo é essencialmente visual, dando-nos a sensação de que aquelas histórias só fazem sentido em Cinema; isto é, por escrito não teriam o mesmo impacto. Sabia de tal forma o que queria que a montagem das suas películas seguia ao milímetro o que ele próprio tinha definido na planificação (última fase do argumento, em que este fica pronto a ser filmado). A esta atitude chama-se trabalhar com «guião de ferro». Hitch dizia que o acto de rodar era uma maçada, pois já sabia exactamente como seria o filme ao tê-lo definido na planificação. Esta ideia traduz uma inabalável confiança do cineasta em si próprio e uma invulgar capacidade de visualização.
Hitchcock assentava a sua estética numa cumplicidade com o espectador. Dava-lhe alguns conhecimentos secretos sobre a acção, mantendo-o ansioso pelo desfecho da narrativa. Esta tensão psicológica pode até levar o espectador a querer comunicar com a personagem ameaçada na tela, para a avisar do perigo... Eis a força manipuladora do suspense.
Não havendo, no entanto, técnica que resista à falta de ideias, é preciso deixar bem explícito que o Cinema de Hitch assenta em temas fortes, já atrás referidos. Recapitulando, e desenvolvendo: a culpa — com o inocente falso culpado como fio-condutor da narrativa, entrando aqui, por vezes, a troca de identidades; o medo — pontuado pelo susto, e nas margens do terror; o desejo — com simbologia e alegorias sexuais; a ansiedade — mantida pelo suspense; o voyeurismo — peeping-tom, em bom inglês, espreitando e violando a esfera privada e íntima; a autoridade — que assegura a investigação criminal, mas também pode ser desafiada (detestava polícias vulgares, de «ronda»); a morte — sob a forma de assassínio, o crime mais grave, e que os espectadores, morbidamente, gostam de ver no recatado conforto da sala escura. Todos eles temas de identificação e projecção psicológica do espectador. O Cinema na sua mais poderosa forma alquímica, servido pela mão do mestre Hitchcock.
Importante é vencer o medo, esperar para ver o desfecho, e perceber que a chave dos seus filmes é o triunfo final da Luz sobre as Trevas. Toda a sua Obra é uma variação sobre este principal grande Tema.
E, se não menciono um único filme do realizador, a justificação é simples: devem ser vistos todos, cronologicamente — dos mudos aos sonoros, dos ingleses aos americanos, dos filmados a preto-e-branco aos rodados a cores —, com o objectivo de se conseguir captar, na sua plenitude, toda a sua temática de fundo, e todo o seu estilo visual e sonoro profundo; enfim, todas as suas indeléveis marcas autorais.
Dito isto, há que afirmar, de imediato, que toda esta comunicação era apenas a ponta-de-lança de uma Obra complexa e profunda.
Hitchcock, oriundo de uma família de classe média-baixa, é instruído pelos Jesuítas. Se refiro este facto é porque os seus filmes virão a reflectir uma série de conhecimentos que terá assimilado nos seus estudos feitos numa escola católica destes, bem conhecidos pela vasta cultura que forneciam; terá, também, através dos referidos Jesuítas, tomado contacto com Chesterton, que lerá entusiasmado na juventude. Outras influências literárias que o marcaram, mais tarde, como auto-didacta, foram Poe e Wilde.
Por outro lado, devorava jornais e lia revistas de criminologia e de Cinema. Curioso é constatar o casamento entre estas fontes de inspiração para o seu despertar como autor de filmes. Os seus temas serão, principalmente, os seguintes: falsos culpados, assassínios, trocas de identidade, medo, voyeurismo, paixões frias mas arrebatadoras.
Porém, antes de chegar à realização de fitas, começa por desenhar intertítulos para filmes mudos, escrever argumentos e trabalhar como assistente de realização. Esta conjugação, de conhecimento prático da técnica cinematográfica com a cultura que ia adquirindo pela leitura, possibilita uma mestria na criação das suas narrativas fílmicas, apimentadas com o tão apregoado suspense.
Na Sétima Arte, Hitch (gostava de ser assim tratado) bebeu de várias fontes: Fritz Lang e Murnau — esses dois mestres do mudo alemão — foram determinantes para a estruturação da sua linguagem estética. Esteve na UFA — os grandes estúdios de Berlim — e conheceu-os pessoalmente. Lá trabalhou e lá filmou. Esta marca será visível, claramente, nos seus filmes mudos; e, mais subtilmente, nos sonoros.
O seu género eleito será o melodrama policial, pontuado de fantástico e de mistério. Esbate, pois, assim, as fronteiras de vários géneros convencionais, criando uma abordagem própria, com elementos retirados de todos eles.
No que toca à realização, o seu estilo é essencialmente visual, dando-nos a sensação de que aquelas histórias só fazem sentido em Cinema; isto é, por escrito não teriam o mesmo impacto. Sabia de tal forma o que queria que a montagem das suas películas seguia ao milímetro o que ele próprio tinha definido na planificação (última fase do argumento, em que este fica pronto a ser filmado). A esta atitude chama-se trabalhar com «guião de ferro». Hitch dizia que o acto de rodar era uma maçada, pois já sabia exactamente como seria o filme ao tê-lo definido na planificação. Esta ideia traduz uma inabalável confiança do cineasta em si próprio e uma invulgar capacidade de visualização.
Hitchcock assentava a sua estética numa cumplicidade com o espectador. Dava-lhe alguns conhecimentos secretos sobre a acção, mantendo-o ansioso pelo desfecho da narrativa. Esta tensão psicológica pode até levar o espectador a querer comunicar com a personagem ameaçada na tela, para a avisar do perigo... Eis a força manipuladora do suspense.
Não havendo, no entanto, técnica que resista à falta de ideias, é preciso deixar bem explícito que o Cinema de Hitch assenta em temas fortes, já atrás referidos. Recapitulando, e desenvolvendo: a culpa — com o inocente falso culpado como fio-condutor da narrativa, entrando aqui, por vezes, a troca de identidades; o medo — pontuado pelo susto, e nas margens do terror; o desejo — com simbologia e alegorias sexuais; a ansiedade — mantida pelo suspense; o voyeurismo — peeping-tom, em bom inglês, espreitando e violando a esfera privada e íntima; a autoridade — que assegura a investigação criminal, mas também pode ser desafiada (detestava polícias vulgares, de «ronda»); a morte — sob a forma de assassínio, o crime mais grave, e que os espectadores, morbidamente, gostam de ver no recatado conforto da sala escura. Todos eles temas de identificação e projecção psicológica do espectador. O Cinema na sua mais poderosa forma alquímica, servido pela mão do mestre Hitchcock.
Importante é vencer o medo, esperar para ver o desfecho, e perceber que a chave dos seus filmes é o triunfo final da Luz sobre as Trevas. Toda a sua Obra é uma variação sobre este principal grande Tema.
E, se não menciono um único filme do realizador, a justificação é simples: devem ser vistos todos, cronologicamente — dos mudos aos sonoros, dos ingleses aos americanos, dos filmados a preto-e-branco aos rodados a cores —, com o objectivo de se conseguir captar, na sua plenitude, toda a sua temática de fundo, e todo o seu estilo visual e sonoro profundo; enfim, todas as suas indeléveis marcas autorais.
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