segunda-feira, 14 de março de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Quinta-feira, 10 de Março
O parlamento, uma das instituições mais cómicas da desinteressante vida política portuguesa, tratou hoje de debater e votar uma Moção de Censura ao governo e não deixou os seus créditos por mãos alheias: a comédia começou com a apresentação da proposta, momento escolhido pelo proponente - o sempre chiquérrimo bloco de extrema-esquerda - para tratar de dizer em voz alta que a censura também se dirigia às bancadas que, vai-se a ver, poderiam aprovar a proposta. A razão desconhece-se, balançando a dúvida entre o excesso de ganzas do aparelho ou o simples serviço a Sócrates. Certo é que, independentemente do frete ao nosso primeiro, a desastrada Moção logo agradou à oposição dita de Direita que, deste modo, arranjou motivo para tratar de segurar o desgoverno socialista por mais algum tempo. No final, o resumo televisivo do exercício de esquizofrenia seria já estudado pelos melhores gabinetes de psicologia do planeta: as bancadas parlamentares da "oposição" levantavam-se para desancar o executivo recordando as suas compulsivas mentiras para, momentos depois, inviabilizarem a queda do governo. Há quem garanta que é para repetir com brevidade e eu, cidadão atento, até acredito que sim e que uma das próximas encenações possa trazer melhores resultados aos pagadores de impostos cá do burgo. De qualquer modo e na dúvida, sempre vos digo que se perderam esta ocasião, repete sempre mais que não seja pelo menos no período de Natal, no Chen ou no Cardinale. Casas igualmente divertidas e que até ficam a ganhar, parece-me, no profissionalismo dos executantes.
Sexta-feira, 11 de Março
O dia informativo arranca cedo: nos salões da pasta do Tesouro que andam a montar com o dinheiro que diariamente nos levam, o notável Ministro das Finanças anuncia ao país que, afinal de contas, é preciso sacar mais uns cobres. Parece que é o PEC4, o que me permite pensar que esta rapaziada das contas, apesar da distribuição dos famosos Magalhães munidos de folha de cálculo, não as sabe fazer com rigor categórico. Desta vez comem logo à cabeça os reformados, são eles a pagar a sustento dos boys. Isto nas gordas, dado que a lista de pilhagens era grande e, para alguns especialistas em entrelinhas, promete até o pagamento do 13º mês em papel de parede - para não lhe chamar pior. A má-fé do governo não impressiona: anunciam-se as medidas menos de vinte e quatro horas depois da tal Moção, sem dar conhecimento prévio ao Presidente da República (que, não se iludam, vê a pilhagem como "inevitável"), e ao mesmo tempo em que o inenarrável Sócrates seguia para as Europas com discurso pronto e com o intuito de apresentar a quem manda o excel com os novos roubos. O verdadeiro problema desta gente que se apanhou ao leme é que, bem vistas as coisas, aquelas cabeças já engendraram o PEC5, o 6 e os seguintes, mas vão lançá-los a conta-gotas e em função dos seus exclusivos interesses pessoais e partidários. Preparem-se pois, que isto vai doer.
Curiosamente, já ao final da noite, o dr. Passos Coelho subiu ao púlpito para assegurar que não apoia semelhante ataque às nossas carteiras (como já não apoiava o anterior, o Orçamento de Estado, etc.), garantindo com pose nervosa e pretensões de estadista que desta vez o PSD não viabilizará o furto. Pode ser então que tenhamos eleições para breve. Desculpar-me-ão a falta de esperança mas nesta coisa do dr. Passos Coelho, que antevejo um Sócrates laranja, tomo as célebres precauções de São Tomé.
Sábado, 12 de Março
E o governo ficou à rasca! Só entre Lisboa e Porto, mais de duzentas mil pessoas encheram a Avenida da Liberdade e os Aliados, numa manifestação que surpreende pelo seu carácter transversal e heterogéneo. Falo com conhecimento de causa, meus amigos, desci do Marquês ao Rossio, subi ao Camões e voltei a fazer o percurso inverso. Vi comunistas, bloquistas e anarquistas? Vi aos magotes, claro. A manifestação era isso? Não, não era e não foi independentemente do que a imprensa possa querer transmitir - e quem de facto lá esteve sabe bem que não falto à verdade. Cumprimentei aliás inúmeros amigos e camaradas que também disseram presente. E vi outra coisa importante: um protesto que em significativa parte dos casos era genuíno e não instrumentalizado - quem souber fazê-lo que o aproveite, a oportunidade está aí! - e, fundamentalmente, um mar de gente que se percebia (e ouvia) não votar habitualmente. Por cansaço, por desilusão, por revolta. Acresciam centenas de mensagens politicamente interessantes: contra a partidocracia e os seus boys, contra a maçonaria e os seus tentáculos, pela Soberania Nacional e contra a falta de vergonha. Regressei a casa com a sensação de que existe margem bastante para uma alternativa; com a noção de que quem a quiser desenhar terá forçosamente que sair à rua ao encontro destas muitas pessoas que estão fartas, que estão à rasca, que ainda se indignam e que estão disponíveis para reinventar alguma esperança. Fica um conselho: falem-lhes em coisas do mundo real, falem-lhes nas cada vez maiores complicações da vida de todos os dias. É que grande parte dos portugueses está mesmo à rasca e, tentando sobreviver, não tem grande tempo para esoterismos, percebem?
Pedro Guedes da Silva