segunda-feira, 4 de abril de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Quinta-feira, 31 de Março
As nossas "crises políticas" são peculiares: não sei quanto tempo depois da demissão de Sócrates e do importantíssimo apontamento de "ouvir os partidos com assento parlamentar" (no meio de um arrastado calendário de pequenas formalidades que não interessam ao Menino Jesus nem ao cidadão minimamente consciente do custo destas brincadeiras), o presidente Cavaco entendeu por bem reunir o Conselho de Estado. Fê-lo tarde e a más horas, como está bom de ver, por entre juros a galope e agências de notação financeira que - vá lá a gente entender!… - aparentam ter pouca paciência para com os timings do luso carnaval partidocrático. Foi então sem espanto que, sem pressas e fiel aos seus princípios de dizer qualquer coisa por entre tabus, se dirigiu ao país já os telejornais iam a meio para debitar três ou quatro frases feitas. Note-se no entanto que nos dias anteriores, enquanto o país se afunda e os especialistas explicam as razões que levarão a que todos paguemos cara esta aventura de gastar mal o dinheiro que não temos, Cavaco andava entretido a passear Príncipes e Princesas, sem esquecer os repastos com a presidente Dilma e o ex-presidente Lula (a quem aliás tudo fizemos para pedir uns trocados com as duas mãos estendidas). Não deixa de ser curioso - e até irónico - registar que, perante a morte de Alencar, os representantes brasileiros, manifestando algum sentido de responsabilidade, logo tenham antecipado o regresso a Brasília. Por cá, de festa em festa, tudo seguia com calma e sem stress. Feitios…

Sexta-feira, 1 de Abril
Em pleno dia das mentiras, os juros prometem aproximar-se a passos largos dos 10% mas é garantido que não é treta. A par, os terríveis homens da Fitch cortaram o rating da Nação em 3 níveis, colocando-nos agora apenas um ponto acima da classificação de "lixo", exactamente o mesmo patamar para o qual foram tombando ao longo da semana os principais bancos cá do burgo, aqueles onde os idiotas como eu e o leitor ainda mantêm alguns cêntimos - poucos e com tendência para o decrescimento. Mais ou menos indiferentes às repercussões de tudo isto nos nossos bolsos parecem estar os extraordinários "estadistas" que nos tocaram em sorte, gente que por entre feiras e mercados se vai entretendo a discutir se um governo de gestão tem ou não condições para pedir ajuda externa. Uma cambada de irresponsáveis que, mais cedo do que tarde, virá ao bolso dos portugueses para que paguemos com os poucos euros que ainda temos os custos da sua própria incompetência. Mas o povo é sereno e parece disposto a pagar as facturas com entusiasmo, ilusão e fervor clubista: juram hoje as gazetas que os três agrupamentos que repartiram responsabilidades directas nos últimos trinta anos - dito de outra maneira, que nos conduziram até este bonito ponto em que nos encontramos… -, tirarão nas próximas eleições de 5 de Junho a necessária maioria de dois terços que lhes permita fazer-nos sem sobressaltos cívicos tudo aquilo que Berlim mandar. Igualmente sem que seja mentira, sabemos agora que um administrador dos CTT cuja nomeação já havia levantado algumas suspeitas não era afinal licenciado em Economia conforme garantia a meio mundo - e até aos inquéritos do Banco de Portugal. Ao i, garantiu o cavalheiro ter estado sempre "convencido que o meu percurso académico com 8 anos de frequência universitária e elevado número de cadeiras concluídas, em mais do que um plano de estudos curriculares, correspondesse a um curso superior". Coisa normal, já se vê, esta de um gajo não ter bem a certeza de ser, mas achar que apesar de tudo é licenciado. Diga-me lá o leitor que não conhece centenas de casos assim… Daqui o afirmo: chega a parecer-me mal que a Universidade em causa coloque agora a possibilidade de processar o espertalhão. Afinal de contas, a criatura apenas se terá inspirado nos exemplos que chegavam de cima, sendo caso para mais uma vez dar razão ao senso comum que garante que neste naco de terra à beira-mar plantado quem se lixa é sempre o mexilhão. A despropósito, dou comigo a pensar no seguinte: quantos licenciados em economia - licenciados de facto e não de convencimento - não estarão à rasca e a despachar correspondência atrás de um qualquer balcão desses que frequentamos amiúde? Ou, acaso o carteiro de cada um de nós será economista?… Dúvidas do Portugal a que temos direito.

Sábado, 2 de Abril
Aproveitei a noite de ontem para olhar finalmente para as papeletas dos Censos que há dias me haviam deixado em casa. A coisa contém perguntas tão extraordinárias como nalguns casos repetitivas, chegando ao ponto de querer saber, desconheço por alma de quem, o nome das pessoas que se encontravam em minha casa a 21 de Março (salvo erro, posto que vai de memória). A quem aproveitará uma coisa destas não se percebe muito bem. Pelo contrário, percebe-se lindamente o objectivo da questão que solicita, por gentileza, que quantos trabalhem a recibos verdes sufraguem o quadradinho que, para as estatísticas, os dará para todo o sempre como trabalhadores por conta de outrem. Um mimo de seriedade! Digam lá que o mundo não pertence à esperteza saloia… Assim, num ápice, estariam garantidos, provados e comprovados os cento e muitos mil empregos em tempos democraticamente anunciados via outdoor! Menos explorada mas igualmente curiosa é aquela parte onde, iniciando-se as perguntas dirigidas aos cada vez menos portugueses que ainda não perderam o posto de trabalho, se pode ler nova ordem de serviço: "se tem menos de 15 anos o seu inquérito termina aqui" - ou coisa que o valha, mas o sentido é esse. Aqui desconheço se é ignorância ou se é apenas má fé. Uma coisa é certa, confirma-se que quem nos dirige habita mesmo um outro planeta que não o real. Não há miúdos de 12, 13 ou 14 anos a trabalhar de sol a sol para auxílio de famílias cada vez mais à rasca? Pois não… talvez não haja na Rua Braancamp, no Rato, na São Caetano à Lapa ou na Bica do Sapato. Mas ainda que fique mal perguntar, quantos casos querem eles que lhes indique?

Pedro Guedes da Silva