segunda-feira, 25 de abril de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Segunda-feira, 18 de Abril
O Tribunal de 1ª Instância de Bruxelas decidiu hoje marcar para 30 de Setembro o julgamento de "Tintin no Congo". Em causa está o alegado "teor racista" da obra de Hergé, estando agora em cima do cardápio de deliberações possíveis a sua retirada do mercado - não vá o volume prejudicar o normal desenvolvimento das crianças (dos 7 aos 77 anos). Já houve um momento em que muitos denunciámos com o vigor possível esta caminhada imparável (e impagável) do politicamente correcto na Europa. Hoje, devemos assumi-lo, a batalha está praticamente perdida. Triunfou a demência!
Já a lusa imprensa apresenta-se esta segunda-feira entre a histeria e a consternação com o sucesso eleitoral domingueiro dos Verdadeiros Finlandeses, catalogados na sempre tenebrosa extrema-direita e que colocariam em causa a entrega das malas de dinheiro que, de mão estendida, vão pedindo por esse mundo fora o ainda ministro Teixeira dos Santos e a irmandade dos banqueiros à rasca. Duvido que algum dos jornaleiros aflitos tenha lido uma linha que fosse dos documentos eleitorais propostos a destino pelos True Finns mas, para estas cabeças, isso também não seria grandemente relevante; o que interessa é arranjar um papão que, embora não nos tenha gasto um cêntimo em sobreiros, submarinos, parcerias público-privadas desastrosas ou demais habilidades, possa ajudar a limpar a imagem da pesada herança dos verdadeiros responsáveis: os agrupamentos com assento parlamentar que em trinta e poucos anos já lograram, por três vezes, convidar o FMI a estadias prolongadas nas simpáticas instalações do Ritz de Lisboa. Ainda assim, e por ninguém se ter dado ao trabalho de verificar o que dizem de facto os Verdadeiros Finlandeses - que, friso, não são os verdadeiros responsáveis pelo estado a que isto chegou -, este vosso amigo dá uma pequena ajuda: ora, o que diz então Timo Soini - líder dos VF - para justificar a oposição ao empréstimo? Curioso… diz - citado pelo Sol - mais ou menos o que a maior parte dos portugueses pensa e qualquer aluno de quarta classe consegue entender sem dificuldades de maior: "Não teve qualquer resultado na Grécia nem na Irlanda. Como é que se pode impulsionar a procura interna com o corte de salários e o aumento dos impostos?" Pois é, tem graça que nos têm vendido uma ideia diferente...

Terça-feira, 19 de Abril
A par destes pequenos pormaiores e demais ventos do Norte, dizem-nos agora as gazetas que o FMI parece disposto a conceder um empréstimo menos pesado, no tempo e nas taxas de juro, do que a restante dupla da troika, aquela dos nossos "parceiros" europeus. Ou seja, é a União Europeia do dr. Durão Barroso e do não menos notável Vítor Constâncio, conhecido pelos seus extraordinários dotes para a supervisão bancária e matérias conexas, que nos quer esmifrar por inteiro e até depois do último cêntimo. Será então caso para sugerir aos pasquins que deixem os finlandeses em paz, podendo em alternativa dedicar as suas muitas páginas já maioritariamente convertidas ao Acordo Ortográfico a temas realmente importantes. A título de exemplo, que procurem perceber para que serve, excepção feita ao bolso dos próprios, ter portugueses em lugares de destaque da União.

Quarta-feira, 20 de Abril
Já não sobram dúvidas: o Ministério da Defesa, superiormente dirigido pelo homem da Propaganda que ficou célebre pela fina educação e pelo gosto em "malhar na Direita", falhou o primeiro dia de pagamento de ordenados ao Exército. De momento, desconhecemos ainda se a pequena falha é também ela atribuível aos Verdadeiros Finlandeses
Noutro plano, mais carnavalesco, vão sendo divulgadas as listas dos candidatos a deputar. Ficamos a saber que o Largo do Rato lança o nome desse socialista de longa data que é Basílio Horta, faz regressar a tralha ferrista e anuncia o famoso Telmo do primeiro Big Brother - o menos mau de todos, convenhamos. Já o PSD, não querendo ficar atrás em categoria, soma ao desonrado Nobre por Lisboa um Abreu Amorim por Viana do Castelo! Na ausência de diferenças sobre políticas, ideias e prioridades, parece haver alguma competição pela vitória na corrida aos aspectos mais cómicos e pitorescos da coisa. Não é grave: como alguém já disse, os nossos patrícios que se derem à maçada de ir às urnas a 5 de Junho vão apenas escolher um notário, aquele que diligentemente tornará realidade os mandamentos antecipados da troika. E além do mais, estão bem uns para os outros.

Quinta-feira, 21 de Abril
O Algarve está cheio, apesar do tempo - e eu próprio, confesso, dei no fim de semana passado o meu contributo para ajudar à retoma do turismo algarvio. Alinhado com os portugueses, o que sobra do governo decretou a tolerância de ponto em véspera de fim de semana de quatro dias. Na Grécia, leio que os indígenas também partem em massa rumo às belezas de Santorini e de Mykonos. De Espanha chegam igualmente notícias de enchentes em muitas das zonas balneares que mais directamente concorrem com a nossa costa. A troika, essa, continua a trabalhar na Lisboa deserta. Gente estranha e tristonha esta, certamente habituada a viver ao frio e à chuva, fechada em casa a quilómetros largos do Sol. Perto mas sem tempo para areais estão franceses e italianos, agora em guerra diplomática mais ou menos aberta depois de terem andado a brincar às revoluções no Norte de África. Pressionada pela determinação italiana em não fazer figura de parva sem companhia, França ameaça suspender a aplicação do irresponsável acordo de Schengen. Uma inevitabilidade que peca por tardia, lá como cá.

Sexta-feira, 22 de Abril
Umas atrás das outras, vão sendo divulgadas as mais recentes sondagens, curiosamente dando razão a muito do que tem sido escrito neste Expresso do Ocidente: Sócrates a aproximar-se de um PSD que não descola, um submarino amarelo a crescer (sempre hábil a fugir às responsabilidades que lhe assistem), e um bloco de extrema-esquerda que poderá estar também ele perto da bancarrota, neste caso eleitoral. A constatação mais ou menos óbvia é a que segue e da qual aliás nunca desconfiámos: os portugueses vão votar esmagadoramente nos mesmos partidos que os trouxeram a esta situação - os outros, aliás, foram já democraticamente afastados dos debates pré-eleitorais e da cobertura mediática. Daqui por uns meses, quando os nossos vizinhos se queixarem como habitualmente, convirá recordar-lhes (usando do mesmo vernáculo) a noção de responsabilidade partilhada: a incompetência só chega ao poder porque há quem a sufrague e não propriamente por causa do partido dos Verdadeiros Finlandeses.

Sábado, 23 de Abril
A notícia corre na "última hora" das televisões embora já não espante sequer uma mosca: o défice, é oficial, está agora acima dos 9%, bem longe do que nos tinha sido prometido em troca dos múltiplos sacrifícios que nos foram pedidos pelo PS com o consentimento parlamentar laranja. É caso para perguntar para que serviram afinal os sacrifícios mas o país, a banhos, permanece anestesiado e indiferente. Sabemo-lo no mesmo dia em que o Expresso publica um trabalho sobre as consequências de um eventual abandono do Euro e regresso ao saudoso Escudo que, ainda há não muito tempo, nos permitia saborear uma bica na casa dos vinte e cinco cêntimos (não subiu nada, já se vê…). A peça reúne uma série de opiniões sistémicas firmemente contrariadas, diga-se em abono da verdade, pelo Prof. João Ferreira do Amaral para quem uma economia como a nossa nunca conseguirá ser competitiva o suficiente no quadro de uma moeda inventada para ser forte. A tragédia pré-anunciada pela folha do dr. Balsemão lembra o que sucedeu na Argentina em Dezembro de 2001, com a bancarrota e o fim da paridade Peso-Dólar a dar início, é certo, a um período de dificuldades tremendas para o povo argentino. Sucede que para colocar todas as cartas em cima da mesa e só para embirrar um nadinha com estes tempos de verdades decretadas pela opinião publicada, conviria lembrar que a Argentina está hoje no G-20 e, bem vistas as coisas, até se recomenda. É certo que tem riquezas naturais enormes e, sobretudo, não andou anos a fio entretida a ser paga para desmantelar a produção agrícola, as pescas e outras indústrias - mas isso já são contas de um outro rosário. Convém não acreditar, de qualquer modo, que é tudo tão líquido quanto nos pretendem vender aqueles que nos têm conduzido a esta austera, apagada e vil tristeza. Não há sentidos únicos em economia.

Pedro Guedes da Silva