quarta-feira, 18 de maio de 2011

SEM AGENDA





Duncan Stroik e As Raízes da Arquitectura Sacra Modernista (Parte II)

Apresento seguidamente a tradução da segunda e última parte do instructivo artigo do arquitecto americano Duncan Stroic, intitulado «The Roots of Modernist Church Arquitecture», originalmente publicado no Adoremus Bulletin, St. Louis MO, Out. 1997. A Parte I do mesmo artigo foi aqui transcrita na semana passada.

...«As Igrejas como Escultura Abstracta -- Ao passo que a maioria das igrejas Católicas construídas nos EU antes de 1940 eram de estilos tradicionais, muitas congregações Protestantes, Unitaristas e Cristãs-Científicas ensaiaram formas de edifícios industriais.

O Unity Temple de Frank Lloyd Wright, de 1904, é um auditório cúbico com ornamentação geométrica e floral, enquanto o seu "querido Mestre", Louis Sullivan, projectou a St. Paul's United Methodist Church, em 1914, como um teatro Romano abstracto.

Na Alemanha dos finais dos anos vinte Otto Bartning projectou igrejas Evangélicas circulares de vidro e betão armado, com pouca iconografia e articulação.

Dominikus Bohm seguiu o seu exemplo no projecto de algumas igrejas católicas expressionistas incluindo St. Engelbert, um edifício circular completado com coberturas parabólicas.

Rudoph Schwartz também projectou igrejas Católicas com a utilização de geometrias abstractas e o espaço fluido do "Estilo Internacional".

Schwartz e Bohm estavam ambos ligados ao movimento litúrgico, na Alemanha, e criaram espaços abstractos para o culto Católico muito antes do Vaticano II. Depois da II Grande Guerra, o movimento Modernista foi mundialmente acolhido como expressão do triunfo tecnológico da guerra. Muitos padres seguiram o exemplo governamental e das grandes empresas, construindo igrejas de formas abstractas, assimétricas e futuristas, com materiais modernos.

Em França, o Padre Dominicano Pierre Marie-Alan Couturier encomendou pinturas murais, tapeçarias, paineis de azulejo e vitrais a quinze dos mais conhecido artistas modernistas, para a igreja rural de Notre Dame, em Assy.

Também com o patrocínio do Padre Couturier, o arquitecto Francês Le Corbusier projectou talvez as duas mais conhecidas igrejas deste século: a igreja de peregrinação de Notre Dame du Haut, em Ronchamp e o Mosteiro Dominicano de Ste. Marie de la Tourette.

Le Corbusier fez saber muito claramente desde o início que não era um homem religioso, e aceitou os projectos porque lhe foi dada liberdade para exprimir as suas ideias numa paisagem aberta e desimpedida. Ronchamp é o epítome de uma igreja como escultura abstracta e foi comparada por Le Corbusier a um templo do sol.

La Tourette, por outro lado, é um edifício rigorosamente ortogonal com uma capela de betão que se assemelha a um espaço tumular, e um claustro sem utilização prática.
O mosteiro teve muitos problemas, incluindo uma alta incidência de depressão devido às suas celas de tipo prisional e outros espaços opressivos, tendo sido obrigado a fechar (durante algum tempo tornou-se um retiro para arquitectos).

Acreditando que toda a "verdadeira arte" é " arte sacra", o Padre Couturier defendeu a ideia de ser preferível ter um artista ateu a produzir arte Cristã ou a projectar igrejas, a ter um artista piedoso mas medíocre. Esta premissa opunha-se à visão histórica da igreja como um "sermão de pedra", como uma obra de fé do arquitecto, da paróquia e dos artesãos.

Para o Padre Couturier o edifício da igreja já não era visto como um professor, um pastor ou um evangelizador, mas sobretudo como um espaço funcional de encontro. De igual modo, o arquitecto já não era um co-criador inspirado; em vez disso, o seu trabalho tornou-se veículo da sua expressão pessoal e do "espírito da época".

O Progressismo Litúrgico -- É de notar que fora os casos de Wright nos EU e de Aalto na Finlândia, houve poucos "mestres" modernistas interessados no projecto de igrejas ou sinagogas (Le Corbusier recusou outros convites). Uma parte da crença no "homem moderno" era que a religião era algo de não científico e, portanto, que as igrejas eram também algo de irrelevante para as necessidades contemporâneas. Ao passo que quase todos dos Modernistas vinham de formações culturais Protestantes, a maioria eram ateus ou agnósticos. Mies van der Rohe e Eero Saarinen foram excepções. As igrejas deste último podem ser vistas como objectos sublimes; no entanto, as suas imitações perderam todo o poder icónico dos originais.

Os Beneditinos nos EU foram o equivalente dos Dominicanos em França, sendo grandes patronos de arte e arquitectura Modernista, assim como liturgicamente progressistas. Em Collegeville, Minnesota, contrataram Marcel Brauer, originário da Bauhaus, e em St. Louis convidaram Gyo Obata, projectista do Aeroporto de St. Louis, para alguns novos mosteiros. Esses edifícios eram lustrosos, não tradicionais, e foram aclamados pelos críticos de arquitectura do "sistema".

Ao mesmo tempo que esses edifícios eram construídos, iam sendo elaborados os documentos do Vaticano II. Apesar de sucintos, os capítulos relativos às artes são poéticos, inspiradores e em consonância com a tradição artística do Catolicismo. Contudo, apesar da intenção do Concílio de reformar e recuperar a liturgia, em particular a liturgia do Cristianismo primitivo, os arquitectos não demonstraram muito interesse na recuperação da arquitectura Cristã primitiva.

A aceitação pelo Concílio dos estilos da época contemporânea, e a rejeição de limitações a qualquer estilo particular, podem ser vistas como uma cuidadosa abertura da janela ao Modernismo. O "sistema" da arquitectura, que por esta altura já se achava generalizadamente divorciado da sua tradição histórica, avançou então como um dilúvio. Alguns arquitectos e projectistas tais como Anders Sovic, Frank Kaczmarcic e Robert Hovda, esforçaram-se então, na esteira de Schwarz e Couturier, na defesa de uma arquitectura moderna imbuída de uma teologia Cristã. Baseando os seus pontos de vista nos estudos dos especialistas em liturgia Jungmann, Bouyer e outros, promoveram um tipo de edifício que pode visto como uma "não-igreja", pondo todo a ênfase na assembleia e sem orientação hierárquica, nem elementos fixos, nem uma linguagem arquitectónica tradicional.

Esta rejeição pelos arquitectos da maior parte do desenvolvimento da arquitectura e da liturgia da Cristandade, a par da promoção de uma estética abstracta, pareceu ser o baptismo, a confirmação e o casamento do Modernismo com a Igreja.

Estes princípios de que resultam os "espaços" litúrgicos modernos, mais tarde incorporados no documento emitido pelo Comité Episcopal para a Liturgia, de 1978, "O Ambiente e a Arte no Culto Católico", são, essencialmente, os dogmas iconoclastas do Modernismo dos anos 20.

A "Desconstrução" do Modernismo -- Ironicamente, ao mesmo tempo que a Igreja Católica se reconciliava com o Modernismo, no princípio dos anos 60 a profissão da arquitectura assistia ao começo de uma séria crítica do Modernismo.

Nos seus edifícios e escritos, os arquitectos Robert Venturi, Louis Kahn e Charles Moore propuseram uma nova/antiga arquitectura da memória, do símbolo e do significado, gerando o que passou a ser conhecido por movimento "Pós-moderno". Eles inspiraram também o trabalho de muitos outros arquitectos, entre os quais John Burgee, Michael Graves, Allan Greenberg, Philip Johnson, Thomas Gordon Smith e Robert Stern, que se dedicaram de bom grado ao planeamento urbano humanista e a um conjunto de estilos arquitectónicos variados.

Embora continue a haver obediência ao estilo Modernista, muitas das crenças filosóficas deste têm vindo a ser questionadas e criticadas ao longo dos últimos trinta anos. Tanto o movimento conservacionista e os historiadores da arquitectura, como os arquitectos Modernistas arrependidos e os desastres estruturais ocorridos em edifícios, têm evidenciado as limitações e fracassos do Modernismo.

Os projectistas e os decisores litúrgicos, por outro lado, mal reconheceram a crítica do Modernismo e continuam hoje ainda a promover a construção de igrejas Moderno-revivalistas ou até "desconstrutivistas", como se pode testemunhar em dois recentes concursos internacionais, um para uma nova igreja em Roma, e outro para a Catedral de Los Angeles.

Uma Tradição Vital -- De Volta ao Futuro -- Se bem que a maior parte dos arquitectos em actividade depois da II Grande Guerra tenham pouca formação no que respeita à arquitectura clássica e medieval, verifica-se a existência de um número cada vez maior de arquitectos em todo o mundo a utilizar linguagens estéticas tradicionais, bem como escolas de arquitectura a ensinar alternativas humanistas ao Modernismo.

Os capítulos do catecismo da Igreja Católica que transmitem os ensinamentos do sinal, da imagem e da igreja como símbolo visível da casa do Pai, são, ou podem ser, uma grande inspiração tanto para os arquitectos como para os pastores e para os leigos.

Nas décadas mais recentes temos visto um certo número de novas ou renovadas igrejas Católicas que exprimem essas aspirações e as do Vaticano II, através da restauração do sinal, do símbolo e da tipologia. Entre elas inclui-se a renovação da St. Mary's Church, em New Haven, a renovação da Cathedral of the Madeleine, em Salt Lake City, a paróquia de San Juan Capristano, na Califórnia, a Immaculate Conception Church, em New Jersey, St. Agnes, em New York, e a Brentwood Cathedral, em Inglaterra.

Estas construções, e outras, indicam-nos que o futuro da arquitectura Católica ultrapassará os estreitos limites da estética Modernista para regressar à ampla e viva tradição da arquitectura sagrada.» Duncan Stroik

Primeira imagem acima: Capela do Our Lady of Guadalupe Seminary, em Denton, Nebrasca, EUA, 2010, Arqº. Thomas Gordon Smith

Segunda imagem acima: Igreja de Notre Dame du Haut, em Ronchamp, França, 1955, Arqº. Le Corbusier

Francisco Cabral de Moncada