segunda-feira, 27 de junho de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Segunda-feira, 20 de Junho
Para variar, a semana não começa mal. No parlamento, os deputados são chamados a sufragar a candidatura de Fernando Nobre a presidente do tasco e, pasme-se, por uma vez na vida fazem-no com elevada sabedoria; ou seja, chumbando menos nobres veleidades. Confesso que, avesso que sou ao regime, a eleição de Nobre ou de um outro qualquer personagem que por lá depute me é (habitualmente) mais ou menos indiferente, mas desta feita não foi o caso. Conhecidas que foram as muitas movimentações da maçonaria para fazer eleger o cavalheiro com recurso às férteis teias de interesses e dependências várias, a dupla derrota do híbrido candidato - primeira escolha laranja, convirá não olvidar - não deixa de ser uma inequívoca vitória de Portugal e dos portugueses.

Sexta-feira, 24 de Junho
Passos Coelho estreou-se em Conselhos Europeus representando o governo onde pontificará Marco António como secretário de Estado e, provavelmente entusiasmado como é típico das lideranças laranjas, logo quis fazer o número do "bom aluno" que aliás já conhecemos desde os tempos que conduziram à pátria negligência de Maastricht. Em consequência, logo debitou promessas de fidelidade eterna ao alto comando germânico, prometendo mesmo ir mais além do que estabelece o memorando assinado com a troika. Traduzida para português corrente, a coisa significa que o executivo recém-empossado promete dificultar-nos a vida e a bolsa ainda mais depressa do que desejavam os altos dignitários do protectorado em que fomos transformados em resultado de mais de trinta anos de bloco central. A inaptidão (ou tendências suicidas) dos estadistas que nos têm calhado em sorte lembra-me o génio literário de Nelson Rodrigues, nome grande das letras brasileiras, que em tempos escreveu o seguinte: "O problema da literatura nacional é que nenhum escritor sabe bater um escanteio".
Quem não entender como válida a lembrança de Nelson Rodrigues - a absoluto despropósito, recomendo vivamente o volume de crónicas dedicadas ao futebol entre 1955 e 1959 intitulado "O berro impresso das manchetes" -, pode relacionar o voluntarismo de Passos Coelho com a história de James Verone dada a conhecer na página 25 do i. Muito resumidamente, Verone, de 59 anos e sem mancha nas fichas policiais, estava desempregado e desesperado quando problemas na coluna se associaram ao convencimento de que sofria de uma doença grave no peito - eventualmente um cancro. Sem dinheiro para pagar consultas ou hipotético tratamento futuro numa sociedade que não garante o acesso universal aos cuidados de saúde, lembrou-se da única solução capaz de lhe garantir pronta visita a um médico: ser preso! Deslocou-se a um banco, roubou um dólar e sentou-se calmamente aguardando a chegada da polícia que o haveria de deter. A histeria ultra-liberal, sem pinga de justicialismo ou sensatez, vai fazendo o seu caminho. E mesmo estando ainda muito distantes do disparate norte-americano, podem escrever que já estivemos mais longe de dar de caras com este tipo de situações bizarras. Há dúvidas?

Sábado, 25 de Junho
O espelho da esquizofrenia do país é capa do Expresso: a 10km de Beja, dispomos de um aeroporto novinho em folha que só abre aos domingos e encerra logo às onze da manhã! O suficiente para que um Embraer com quarenta e nove lugares realize o único voo semanal utilizando uma pista ainda não certificada, trazendo uma dúzia de ingleses e recolhendo outros tantos que, como está bom de ver, não são suficientes para tornar sequer viável o negócio de uma cafetaria e de uma loja de recordações que preenchem o espaço. O único operador estabeleceu o fim destas ligações semanais com Londres para meados de Outubro, admitindo retomá-las na Primavera de 2012. Nessa altura, aquele que é provavelmente o aeroporto do mundo com a maior descompensação entre o número de funcionários e o de passageiros, já será servido por uma moderníssima auto-estrada cujas obras de conclusão prosseguem a bom ritmo. Um espanto que custou 33 milhões de euros.
Lendo-se a peça, nada se estranha na capa do i que espreito de seguida. Nela, o destaque à entrevista com Medina Carreira e uma frase: "Salazar era um bom gestor. Era bom termos um". Pois...

Domingo, 26 de Junho
Algumas centenas de pessoas juntaram-se hoje no Estádio Universitário de Lisboa na expectativa de alertar o governo para a possível encerramento do (justamente afamado) complexo desportivo. Com verbas cativas apesar de ser praticamente auto-suficiente - a actividade normal cobre 90% das despesas -, a insensibilidade da tutela tem vindo a apertar o pescoço à administração do espaço que apenas promete assegurar o funcionamento até ao final de Julho. Num país normal, o valor ridículo a desbloquear já estaria libertado há muito. Por cá, temos apenas um Estado sem política desportiva ou planos sustentados de desporto escolar, e que reconhece a importância do fenómeno desportivo apenas na hora de aparecer na fotografia comemorando êxitos alheios. Mais, temos no caso concreto um Estado que não só não faz como ainda atrapalha. Tal e qual como verificamos com as finanças públicas, o Estado Novo construiu o que esta gente anda a deitar abaixo.

Pedro Guedes da Silva