segunda-feira, 11 de julho de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Terça-feira, 5 de Junho
Num par de meses, terá deixado de existir compatriota que não saiba o que são agências de notação financeira e em que consiste o risco de "default" de empresas e de nações. Diria mais: verifico que temos hoje um país de especialistas no assunto! E sendo assim não é de espantar que não haja quem não comente o tema do dia: a tal Moody's colocou Portugal ao nível do lixo, prometendo assim dificultar ainda mais a nossa vida - já de si pouco famosa - e aumentando a probabilidade de que nos possamos ver gregos, literalmente, mais cedo do que tarde. Deitando os olhos por televisões e pasquins (ainda que ao de leve, a bem da sanidade mental), vendo que por lá se acotovelam tantos sábios, cabe perguntar qual a razão de estarmos onde estamos, mais uma vez, no curto espaço de três décadas.

Quarta-feira, 6 de Junho
A convicção parece tão pacífica quanto generalizada: é urgente criar condições para que a economia real cresça, facilitando o empreendedorismo, limitando a burocracia, a corrupção e a asfixia fiscal. Mas nem tudo o que parece é. Pela manhã, no Campo Pequeno, a Câmara Municipal de Lisboa - através do génio incomparável do vereador Sá Fernandes -, resolveu dar uma ajudinha ao desenvolvimento local (e logo no bairro que ainda por cima é o dele…) mandando desmantelar as estruturas exteriores dos espaços de restauração aí existentes e que ajudavam a clientela a proteger-se do vento e do frio que, naquele local, tende amiúde a não dar tréguas. Que Sá Fernandes é um louco à solta, todos sabemos; que a sua acção irresponsável já custou prejuízos milionários a todos nós, também é do conhecimento generalizado; o que já não é evidente é que, sabendo-se de tudo isto, a autarquia permita que o cavalheiro continue a infernizar o dia-a-dia da cidade. A Moody's, que avalia tanta coisa, havia de avaliar também o rating deste iluminado e, não menos importante, de quem o mantém em funções.

Sexta-feira, 8 de Julho
Há uns meses, em plena desgraça socrática, Cavaco Silva afirmou, solene e categórico: "Não vale a pena recriminar as agências de rating". Hoje o país ouviu-lhe a força da convicção: "As agências de rating norte-americanas são uma ameaça". Inevitavelmente a verificação da coisa lembra-me o nosso Eça, português de outro campeonato, quando contava a história daquele governador civil que dizia: "É boa, dizem que sou sucessivamente regenerador, histórico, reformista!… Mas eu nunca quis ser senão governador civil!"…

Sábado, 9 de Julho
A notícia de fundo do i assustará qualquer português de bem. A fazer fé no jornal - e não custa muito a crer, se observado, por exemplo, o caso espanhol - são já 133 mil as famílias que deixaram de pagar as prestações mensais do crédito para habitação e, contas feitas com base em dados do Banco de Portugal, são cerca de duzentas mil as famílias que se poderão encontrar na iminência de ficar sem casa até ao final do ano - admitindo que as promessas de rapidez nas decisões judiciais feitas à troika são mesmo para levar a sério. Dá-me impressão que há mesmo muita gente que terá votado na troika interna há um mês e que ainda não se terá apercebido bem das consequências dos seus actos. Conformismo ou desinteresse? Mais uma vez o Eça: "E assim se passa, defronte de um público enojado e indiferente, esta grande farsa que se chama a intriga constitucional. Os lustres estão acesos. Mas o espectador, o país nada tem de comum com o que se representa no palco; não se interessa pelos personagens e a todos acha impuros e nulos; não se interessa pelas cenas e a todas acha inúteis e imorais. Só às vezes, no meio do seu tédio, se lembra que para poder ver, teve que pagar no bilheteiro!"

Domingo, 10 de Julho
Já o disse e escrevi vezes sem conta mas convém repetir, tanto mais que o fenómeno se agrava a olhos vistos: por comparação a França ou Itália - mesmo a Espanha, para não ir mais longe -, a política caseira é profundamente chata e monocórdica, sem pinga de interesse. No quadro actual, que ainda para mais tudo resume e submete às vicissitudes da macro-economia, o cenário piora e apenas quem tenha alguma tendência para mártir poderá seguir com alguma atenção, do governo às oposições, a pobreza do que é encenado e servido. Não espanta por isso que um domingo caseiro seja totalmente alheio à consulta da imprensa que está para além d' A Bola - e que de televisão desligada seja sereno e dedicado ao mergulho no que permanece para lá da espuma dos dias: nunca é tarde para voltar ao Eça, ao Rodrigo Emílio, ao Couto Viana. Pelo menos na letra impressa, Portugal vive e nada tem a aprender.

Pedro Guedes da Silva