EXPRESSO DO OCIDENTE
Quinta-feira, 14 de Junho
Com chamada à capa, o i levanta uma questão pertinente: como é que Sócrates vai viver sem ordenado o seu ano de retiro parisiense? A coisa explica-se facilmente: em licença sem vencimento do sacrificado município da Covilhã - onde, não é excessivo recordá-lo, escreveu algumas das mais nobres páginas da arquitectura portuguesa -, sem qualquer outro ordenado, sem poupanças dignas de registo que permitam folgas deste género ou, a fazer fé (o que não é fácil, concedo) na prestação de informação pública a que estava obrigado, como será possível ao cavalheiro fazer vida de estudante rico na capital francesa? Terá uma bolsa de estudo? Viverá da mesada dos pais ou de algum boy mais generoso? Vai tocar ferrinhos no metropolitano? Pequenos biscates de tradução de textos de inglês técnico?... Seja qual for a milagrosa solução encontrada pelo engenheiro, importa saber (d)isto e nem se percebe porque não merece o tema maior atenção das gazetas. Perdoem-me os meus amigos mas sucede que, se já pagamos tanta aldrabice, ninguém levará por certo a mal que possamos ter alguma reserva quando estão em causa histórias que, de todo, não seriam possíveis de levar a cabo ao mais comum dos mortais.
Aparentemente pouco atento a estas eventuais despesas - e à despesa em geral, aliás… -, o novíssimo Ministro da Fazenda explicou ao país como é que, tecnicamente, se processará o esbulho do equivalente a 50% do subsídio de Natal. Indiferente ao método - já basta o objecto para que me irrite muito solenemente -, não lhe prestei grande atenção embora me tenha apercebido de que não explicou o tal "desvio colossal" ultimamente muito badalado. Explico eu: desvio colossal é o que se nota à vista desarmada entre as promessas eleitorais da maioria - atacar a despesa e não a receita, garantiam por feiras e mercados -, e aquilo que agora levam à prática uma vez abichado o pote. A não ser que, identificada a gordura do Estado, o ataque à despesa pública tão desfraldado durante os comícios se referisse às gravatas entretanto cortadas no ministério de Assunção Cristas.
Sexta-feira, 15 de Julho
Sem que se perceba muito bem o motivo, o país parece acordar horrorizado com as miseráveis médias dos exames nacionais do 12º ano. E mais ainda ao saber que à média negativa não escapava sequer a língua portuguesa, que para muitos chega até a merecer a condição de Pátria. Eu confesso não acompanhar nem o choque nem o espanto. Trinta anos de deseducação, estupidificação e facilitismo teriam inevitavelmente que dar os seus frutos - e são esses que agora se vertem nas pautas lineais. E tudo isto desconsiderando ainda os nefastos efeitos da introdução próxima do inenarrável Acordo Ortográfico. Muito a propósito, fique o leitor com umas poucas letras de génio alinhavadas pelo nosso Rodrigo Emílio neste Piparote Final - "Glosa d'uma sátira de João de Deus para a hora actual":
Há mil e tantos dias, simplesmente,
Que este sistema nos governa, e vêde
Comércio, indústria, tudo florescente!
Os caminhos-de-ferro é uma rede.
E quanto a instrução, toda esta gente
Faz riscos de carvão uma parede.
Sábado, 16 de Julho
Toca a todos: depois dos nossos estimados governantes terem corrido mundo e meio assegurando aos deuses que "Portugal não é a Grécia", chegou agora a vez de outros igualmente delicados declararem solenemente que "nós não somos a Grécia ou Portugal". Mais um murro no estômago de Passos Coelho, talvez dois se pensarmos que a frase assassina vem de Obama, um mentiroso relapso e contumaz mas que ainda há pouco era, para esta gente, uma espécie de farol de todas as luzes e do desenvolvimento da humanidade - isto ao tempo em que os lorpas ainda acreditavam que o homem fechava Guantanamo, ajoelhava à estranhíssima soberania do Tribunal Penal Internacional, proclamava a paz nos cinco continentes e mais o diabo a sete. Pois bem, Obama não quer ser como os seus frenéticos apoiantes lusitanos - o que constitui uma curiosa ironia e não me deixa sem um pequeno sorriso. A ponto de fazer questão de lhe dar razão: com efeito, Portugal não é como os Estados Unidos. Nove séculos de uma História como a nossa não o permitem, mesmo com muito boa vontade. E apesar de carecer de procuração, estimo que os nossos companheiros gregos também não alinhem nisso; só a herança magistral de um Aristóteles não autoriza esse tipo de confianças.
Com chamada à capa, o i levanta uma questão pertinente: como é que Sócrates vai viver sem ordenado o seu ano de retiro parisiense? A coisa explica-se facilmente: em licença sem vencimento do sacrificado município da Covilhã - onde, não é excessivo recordá-lo, escreveu algumas das mais nobres páginas da arquitectura portuguesa -, sem qualquer outro ordenado, sem poupanças dignas de registo que permitam folgas deste género ou, a fazer fé (o que não é fácil, concedo) na prestação de informação pública a que estava obrigado, como será possível ao cavalheiro fazer vida de estudante rico na capital francesa? Terá uma bolsa de estudo? Viverá da mesada dos pais ou de algum boy mais generoso? Vai tocar ferrinhos no metropolitano? Pequenos biscates de tradução de textos de inglês técnico?... Seja qual for a milagrosa solução encontrada pelo engenheiro, importa saber (d)isto e nem se percebe porque não merece o tema maior atenção das gazetas. Perdoem-me os meus amigos mas sucede que, se já pagamos tanta aldrabice, ninguém levará por certo a mal que possamos ter alguma reserva quando estão em causa histórias que, de todo, não seriam possíveis de levar a cabo ao mais comum dos mortais.
Aparentemente pouco atento a estas eventuais despesas - e à despesa em geral, aliás… -, o novíssimo Ministro da Fazenda explicou ao país como é que, tecnicamente, se processará o esbulho do equivalente a 50% do subsídio de Natal. Indiferente ao método - já basta o objecto para que me irrite muito solenemente -, não lhe prestei grande atenção embora me tenha apercebido de que não explicou o tal "desvio colossal" ultimamente muito badalado. Explico eu: desvio colossal é o que se nota à vista desarmada entre as promessas eleitorais da maioria - atacar a despesa e não a receita, garantiam por feiras e mercados -, e aquilo que agora levam à prática uma vez abichado o pote. A não ser que, identificada a gordura do Estado, o ataque à despesa pública tão desfraldado durante os comícios se referisse às gravatas entretanto cortadas no ministério de Assunção Cristas.
Sexta-feira, 15 de Julho
Sem que se perceba muito bem o motivo, o país parece acordar horrorizado com as miseráveis médias dos exames nacionais do 12º ano. E mais ainda ao saber que à média negativa não escapava sequer a língua portuguesa, que para muitos chega até a merecer a condição de Pátria. Eu confesso não acompanhar nem o choque nem o espanto. Trinta anos de deseducação, estupidificação e facilitismo teriam inevitavelmente que dar os seus frutos - e são esses que agora se vertem nas pautas lineais. E tudo isto desconsiderando ainda os nefastos efeitos da introdução próxima do inenarrável Acordo Ortográfico. Muito a propósito, fique o leitor com umas poucas letras de génio alinhavadas pelo nosso Rodrigo Emílio neste Piparote Final - "Glosa d'uma sátira de João de Deus para a hora actual":
Há mil e tantos dias, simplesmente,
Que este sistema nos governa, e vêde
Comércio, indústria, tudo florescente!
Os caminhos-de-ferro é uma rede.
E quanto a instrução, toda esta gente
Faz riscos de carvão uma parede.
Sábado, 16 de Julho
Toca a todos: depois dos nossos estimados governantes terem corrido mundo e meio assegurando aos deuses que "Portugal não é a Grécia", chegou agora a vez de outros igualmente delicados declararem solenemente que "nós não somos a Grécia ou Portugal". Mais um murro no estômago de Passos Coelho, talvez dois se pensarmos que a frase assassina vem de Obama, um mentiroso relapso e contumaz mas que ainda há pouco era, para esta gente, uma espécie de farol de todas as luzes e do desenvolvimento da humanidade - isto ao tempo em que os lorpas ainda acreditavam que o homem fechava Guantanamo, ajoelhava à estranhíssima soberania do Tribunal Penal Internacional, proclamava a paz nos cinco continentes e mais o diabo a sete. Pois bem, Obama não quer ser como os seus frenéticos apoiantes lusitanos - o que constitui uma curiosa ironia e não me deixa sem um pequeno sorriso. A ponto de fazer questão de lhe dar razão: com efeito, Portugal não é como os Estados Unidos. Nove séculos de uma História como a nossa não o permitem, mesmo com muito boa vontade. E apesar de carecer de procuração, estimo que os nossos companheiros gregos também não alinhem nisso; só a herança magistral de um Aristóteles não autoriza esse tipo de confianças.
Pedro Guedes da Silva
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