SEM AGENDA
No seguimento do que já foi iniciado na semana passada, concluo hoje um conjunto de transcrições do livro do intelectual italiano Roberto de Mattei, O Cruzado do século XX. Plínio Correia de Oliveira, Civilização Editora, Lisboa, 1997, e particularmente do capítulo desse livro que se debruça sobre a obra-prima do conhecido autor e homem de acção contra-revolucionário brasileiro, Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995): Revolução e Contra-Revolução, São Paulo, 1959.
No intuito de não alongar mais a extensão do textos escolhidos, que hoje resultou algo superior ao que habitualmente aqui tenho apresentado -- e por tal espero me relevem os leitores pacientes -- não incluo, ao contrário do que fiz na semana passada, as interessantes mas muito numerosas notas que povoam o livro. O elevado interesse, a meu ver, dos referidos textos, foi a razão de os não ter mais abreviado.
«A Cristandade no Magistério Pontifíco
"Revolução e Contra-Revolução" baseia-se sobre um pressuposto histórico e filosófico em plena harmonia com o Magistério da Igreja: a necessidade de conformar à lei de Cristo não apenas as pessoas individualmente consideradas, mas também a sociedade e os Estados, sobre os quais se exerce a soberania exclusiva do Redentor. Fruto desta obra de Cristianização da vida social é a Civilização Católica. (...)
A Civilização Cristã, ensina (...) Leão XIII, teve uma concreta expressão histórica na Cristandade medieval.
«Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda a parte era florescente, graças aos favores dos Príncipes e à protecção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer». (...)
«A conversão dos povos ocidentais -- escreveu Plínio Corrêa de Oliveira -- não foi um fenómeno superficial. O germen da vida sobrenatural penetrou no próprio âmago da sua alma e foi paulatinamente configurando à semelhança de Nosso Senhor Jesus Cristo o espírito outrora rude, lascivo e supersticioso das tribos bárbaras. A sociedade sobrenatural -- a Igreja -- estendeu assim sobre toda a Europa a sua contextura hierárquica, e desde as brumas da Escócia até às encostas do Vesúvio foram florindo as dioceses, os mosteiros, as igrejas catedrais, conventuais ou paroquiais, e, em torno delas, os rebanhos de Cristo. (...) Nasceram por essas energias humanas vitalizadas pela graça, os reinos e as estirpes fidalgas, os costumes corteses e as leis justas, as corporações e a cavalaria, a escolástica e as universidades, o estilo gótico e o canto dos menestreis».
Quais foram as causas da decadência da civilização medieval? Leão XIII na Encíclica Immortale Dei escreve que «o funesto e deplorável espírito de novidade suscitado no século XVI, começou por convulsionar a religião, passou depois naturalmente desta ao campo filosófico, e em seguida a todas as ordens do Estado». O âmbito religioso, juntamente com o intelectual e o político-social, são os três campos atingidos pelo processo de dissolução que o Papa denomina "Direito Novo". Trata-se de um "inimigo" declarado da Igreja e da Cristandade, o qual por sua vez foi descrito por Pio XII nos seguintes termos:
«Ele encontra-se em toda a parte e no meio de todos: sabe ser violento e astuto. Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação intelectual, moral e social do organismo misterioso de Cristo. Ele quis a natureza sem a graça, a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes a autoridade sem a liberdade. É um "inimigo" que se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar como principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus».
Este inimigo constituiria o objecto específico do estudo de Plínio Correia de Oliveira, que depois de ter analisado a natureza e as formas de acção do adversário, proporá as linhas de uma eficaz reacção para vencê-lo e restaurar a Civilização Cristã. Sintetizando a natureza do irredutível antagonismo existente entre a Igreja e o seu mortal adversário, escreve:
«Este inimigo terrível tem um nome: chama-se Revolução. A sua causa profunda é uma explosão de orgulho e de sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: A Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo».
A grande crise do Ocidente cristão
"Revolução e Contra-Revolução" apresenta, antes de tudo, um quadro da nossa época que se resume numa palavra hoje dramaticamente actual: crise.
«As muitas crises que abalam o mundo hodierno -- do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. -- não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de acção o próprio homem. Noutros termos, essas crises têm a sua raíz nos problemas de alma mais profundos, de onde se estendem para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo e todas as suas actividades».
Portanto, no centro da obra do Prof. Plínio está o homem, criatura racional composta de alma e corpo, hoje vítima de uma crise profunda. Embora muitos sejam os factores que compõem esta crise, conserva ela sempre cinco caracteres essenciais:
1. É universal, pois não existe povo que não tenha sido por ela afectado, em grau maior ou menor.
2. É una, no sentido em que não existe uma pluralidade de crises autónomas, sem ligação entre si, mas uma mesma crise assola hoje o conjunto daquela que outrora foi a Cristandade.
3. É total, porque se desenvolve numa zona de problemas tão profunda, que se estende depois a todas as potências da alma, em todos os campos de acção do homem.
4. É dominante, pois ela é como uma rainha que guia forças e acontecimentos aparentemente caóticos.
5. É um processo, isto é, é um longo sistema de causas e efeitos que, tendo nascido nas zonas mais profundas da alma e da cultura ocidental, vão produzindo, desde o século XV até aos nossos dias, sucessivas convulsões.
As etapas históricas da Revolução
(...) Plínio Corrêa de Oliveira assim resumiu este processo:
«1) A Pseudo-Reforma foi uma primeira revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem.
2) Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No religioso, sob a forma de ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que qualquer desigualdade é uma injustiça, qualquer autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo.
3) O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e económico».
As origens deste processo, para Plínio Corrêa de Oliveira, remontam ao século XIV, quando se inicia na Europa cristã uma transformação de mentalidades que no decurso do século XV se torna cada vez mais nítida. (...)
As profundidades da Revolução
O pensador brasileiro distingue na Revolução três profundidades que, cronologicamente, até certo ponto se interpenetram.
A dimensão mais profunda é a das tendências. Quando as tendências desordenadas do homem recusam conformar-se com uma ordem de coisas que as deveria guiar e corrigir, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, os costumes e as expressões artísticas.
Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico. É a Revolução nas ideias. O Prof. Plínio recorda a frase de Paul Bourget na sua célebre obra "Le démon du midi": «cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu». Inspiradas pelo desregramento das tendências desordenadas, eclodem doutrinas novas. Estas procuram por vezes, de início, um modus vivendi com as antigas, e exprimem-se de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em romper-se numa luta declarada.
A revolução nos factos segue-se à revolução nas ideias, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa como na sociedade temporal.
O papel das paixões no processo revolucionário
(...) A causa mais profunda deste processo é, para Plínio Corrêa de Oliveira, uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou toda uma cadeia de sistemas ideológicos e uma série de acções a eles correlatas.
«O orgulho leva ao ódio a qualquer superioridade, e, pois à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução.
«A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra qualquer autoridade e qualquer lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução. Ambos os aspectos, que têm em última análise um carácter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas conciliam-se na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e "emancipada" de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e numa liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade».
Os autores contra-revolucionários do século XIX, como De Maistre, De Bonald e Donoso Cortés, descreveram bastante bem a Revolução no seu desenvolvimento de erros doutrinais. Mas o que, por seu lado, caracteriza a obra de Plínio Corrêa de Oliveira, é a atenção a dos factores "passionais" e à sua influência sobre os aspectos estritamente ideológicos do processo revolucionário. (...) o autor, (...) de acordo com a linguagem corrente, inclui nas paixões desordenadas todos os impulsos ao pecado existentes no homem em consequência do pecado original e da tríplice concupiscência denunciada no Evangelho: a da carne, a dos olhos e a soberba da vida.
A Revolução tem pois a sua primeira origem nas paixões desordenadas. Como os tufões e os cataclismos, elas possuem uma força enorme, mas para destruir.
As velocidades da Revolução
O processo revolucionário dá-se em duas velocidades diversas. Uma, rápida, é destinada geralmente ao fracasso no plano imediato. A outra tem sido habitualmente coroada de êxito, e é muito mais lenta.
Desenvolvem-se na primeira velocidade os movimentos revolucionários mais radicais, como os anabaptistas no século XVI e as correntes jacobinas e anárquicas dos séculos XIX e XX. Na segunda, as correntes moderadas do protestantismo e do liberalismo que, avançando por etapas de dinamismo e inércia sucessivas, vão entretanto favorecendo o deslizamento para o mesmo ponto extremo.
O fracasso dos extremistas é apenas aparente: criam um ponto de atracção fixo que fascina, pelo seu próprio radicalismo, os moderados. A sociedade acaba por assumir lentamente o caminho para o qual os mais radicais pretendiam levá-la.
Os agentes da Revolução: a maçonaria e as seitas
O mero dinamismo das paixões e dos erros dos homens, afirma Plínio Corrêa de Oliveira, não é suficiente para explicar a marcha vitoriosa da Revolução. Atingir esse sucesso é impossível sem o impulso e a direcção de agentes astutos e conscientes que orientam um processo revolucionário por si mesmo caótico: estes são as seitas anti-cristãs, de qualquer natureza.
Agentes da Revolução podem ser consideradas todas as seitas e as forças secretas que se propõem como fim a destruição da Igreja e da Civilização Cristã. A seita-mestra, em torno da qual todas se articulam, é a maçonaria. Esta, segundo claramente decorre dos documentos pontifícios, e especialmente da Encíclica Humanum Genus de Leão XIII, tem como «último e principal fim, o destruir até aos seus fundamentos toda a ordem religiosa e social nascida das instituições cristãs e criar uma ordem nova segundo a sua vontade, que extrai do naturalismo os seus fundamentos e as suas normas». (...)
Se a denúncia clássica das forças secretas se centrou nos seus canais de infiltração e de controlo no corpo social, sobretudo no que diz respeito aos gânglios políticos e financeiros dos Estados modernos, a obra de Plínio Correia de Oliveira, como bem observa Fernando Gonzalo Elizondo, introduz um âmbito novo:
«É o do estudo e da denúncia das técnicas maçónicas de governo das almas. A explicação em profundidade do conhecimento e manipulação das tendências desordenadas, da criação de ambientes, da difusão, seja por grandes órgãos de comunicação, seja por outros meios, de uma mentalidade que, generalizando-se, garante o êxito do avanço das ideias e dos factos revolucionários».
A meta anárquica da Revolução
(...) A revolução está a destruir no homem contemporâneo a noção de pecado, a própria distinção entre bem e mal e, ipso facto, a negar a Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sem o pecado se torna incompreensível e perde qualquer relação lógica com a História e a vida.
Recolocando no indivíduo toda a sua confiança, como aconteceu na fase liberal, ou nas colectividades, como sucedeu na fase socialista, a Revolução idolatra o homem, confiando na sua possibilidade de "auto-redenção" mediante uma radical transformação social.
A meta anárquica da Revolução acaba por confundir-se com uma República Universal, na qual todas as legítimas diferenças entre os povos, as famílias, as classes sociais se dissolveriam num amálgama confuso e efervescente.
«Um mundo em cujo seio as pátrias unificadas numa República Universal não serão senão denominações geográficas, um mundo sem desigualdades sociais nem económicas, dirigido pela ciência e a técnica, pela propaganda e pela psicologia, para realizar, sem o sobrenatural, a felicidade definitiva do homem: eis a utopia para a qual a Revolução nos vai encaminhando».
Os valores metafísicos da Revolução
Duas noções, concebidas como valores metafísicos, exprimem o espírito da Revolução: igualdade absoluta e liberdade completa. Estas, são servidas por duas paixões: o orgulho e a sensualidade. «É nestas tristes profundidades que se encontra a junção entre esses dois princípios metafísicos da Revolução, a igualdade e a liberdade, contraditórios em tantos pontos de vista».
A pretensão de pensar, sentir e fazer tudo o que as paixões desenfreadas exigem é a essência do liberalismo. Na realidade, a única liberdade que ele tutela é a liberdade para o mal, contrapondo-se, nisto, à Civilização Católica. Esta, pelo contrário, dá ao bem todo o apoio e toda a liberdade, mas cerceia o mal, tanto quanto possível.
Plínio Corrêa de Oliveira detém-se sobre este igualitarismo radical, mostrando as suas consequências no âmbito religioso, político e social. A negação de qualquer desigualdade conduz, no plano metafísico, à recusa do princípio de identidade e de não contradição. Isto chega às últimas consequências com o panteísmo "igualitário", pois que, se a realidade é privada de desigualdades específicas e de identidade, desaparece também a diferença entre os homens e Deus e tudo fica confusamente divinizado. Neste panteísmo consiste o aspecto gnóstico da Revolução. Aspecto fundamental do pensamento de Plínio Corrêa de Oliveira foi, pelo contrário, o amor ao concreto, ao individualizado, ao "distinto". Ele fez seu o princípio fundamental do tomismo, segundo o qual o objecto próprio da inteligência humana não é o ser indefinido, mas a "quidditas rei sensibilis", as essências específicas do real. É através da experiência directa das essências específicas que o homem pode remontar ao conhecimento do universal e à própria formulação dos primeiros princípios. (...)
«São Tomás ensina -- afirma Plínio Corrêa de Oliveira -- que a diversidade das criaturas e o seu escalonamento hierárquico são um bem em si, pois assim melhor resplandecem na criação as perfeições do Criador. E diz que tanto entre os anjos como entre os homens, no Paraíso Terrestre como nesta terra de exílio, a Providência instituiu a desigualdade. Por isso, um universo de criaturas iguais seria um mundo em que se teria eliminado em toda a medida do possível a semelhança entre as criaturas e o Criador. Odiar em princípio, toda e qualquer desigualdade é pois, colocar-se metafisicamente contra os melhores elementos de semelhança entre o Criador e a criação, é odiar a Deus».
A Contra-Revolução e a Civilização Cristã
(...) «Se a Revolução é a desordem -- afirma o pensador brasileiro -- a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no Reino de Cristo. Ou seja, a Civilização Cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e anti-liberal.»
A Contra-Revolução não é um retorno ao passado, nem uma genérica reacção, mas uma acção «feita contra a Revolução como hoje em concreto ela existe e, pois, contra as paixões revolucionárias como hoje crepitam, contra as ideias revolucionárias como hoje se formulam, os ambientes revolucionários como hoje se apresentam.
Também a Contra-Revolução, como a Revolução, é um processo que conhece várias fases e velocidades. Mas no itinerário do erro à verdade não se admitem as metamorfoses fraudulentas da Revolução. Se a Revolução esconde dos seus próprios adeptos o seu último fim, o progresso no bem obtém-se dos homens fazendo com que esse fim seja conhecido e amado na sua integridade. (...)
Em estado actual, conclui Plínio Correia de Oliveira, contra-revolucionário é quem:
«1) Conhece a Revolução, a Ordem e a Contra-Revolução em seu espírito, suas doutrinas, seus métodos respectivos; 2) Ama a Contra-Revolução e a ordem cristã, odeia a Revolução e a "anti-ordem"; 3) Faz desse amor e desse ódio o eixo em torno do qual gravitam todos os seus ideais, preferências e actividades».
A força propulsora da Contra-Revolução
Se a mais potente força propulsora da Revolução é o dinamismo das paixões humanas, desencadeadas num ódio metafísico contra Deus, contra a Verdade e contra o Bem, simetricamente existe também uma dinâmica contra-revolucionária, que visa regular as paixões, subordinando-as à vontade e à razão. A força propulsora da Contra-Revolução está no vigor espiritual que vem ao homem pelo facto de Deus governar nele a razão, a razão dominar a vontade, e esta, por fim, dominar a sensibilidade. Ele é o servo de Deus mas, justamente por isso, dono de si.
Tal vigor de alma não pode ser concebido sem se tomar em consideração a vida sobrenatural, que eleva o homem acima das misérias da vida decaída. Nesta força espiritual está, para Plínio Corrêa de Oliveira, o dinamismo mais profundo da Contra-Revolução.
«Pode-se perguntar de que valor é esse dinamismo. Respondemos que, em tese, é incalculável, e certamente superior ao da Revolução: 'Omnia possum in eo qui me confortat' (Fil. 4, 13). (...)
A Contra-Revolução e a Igreja
Se a Revolução é um processo que visa destruir a ordem temporal cristã, é claro que o seu último alvo é a Igreja, «Corpo Místico de Cristo, Mestra infalível da verdade, tutora da lei natural e, assim, fundamento último da própria ordem temporal». A Revolução é um inimigo que se levantou contra a Igreja para impedir a sua missão de salvação das almas, que ela exerce não só por meio do seu poder espiritual directo, mas também do seu poder temporal indirecto. A Contra-Revolução que se levanta em defesa da Igreja «não é destinada a salvar a Esposa de Cristo. Apoiada na promessa do seu Fundador, não precisa dos homens para sobreviver. Pelo contrário, a Igreja é quem dá vida à Contra-Revolução, que, sem Ela, nem seria exequível, nem sequer concebível». (...)
A exaltação da Igreja é o ideal da Contra-Revolução. (...)
Isto não obstante, o âmbito da Contra-Revolução ultrapassa, de algum modo, o eclesiástico, porque comporta uma fundamental reorganização de toda a sociedade temporal. Esta restauração social deve inspirar-se na doutrina da Igreja, mas envolve por outro lado um sem número de aspectos concretos e práticos que dizem respeito propriamente à ordem civil. (...)
Além dos confins do Brasil: uma escola de pensamento e de acção
Alguns dos principais temas abordados por Plínio Corrêa de Oliveira foram tratados também por outros pensadores católicos contemporâneos, genéricamente definidos como "tradicionalistas". Basta recordar aqui os nomes do filósofo belga Marcel de Corte, do fundador francês da Cité Catholique, Jean Ousset, do filósofo italiano Augusto Del Noce, do historiador suiço Gonzague de Reynold, do pensador espanhol Francisco Elías Tejada.
"Revolução e Contra-Revolução" não foi, porém, somente uma obra intelectual, mas também o germen vital de um movimento destinado a desenvolver-se e a estender-se por todo o mundo. Plínio Corrêa de Oliveira distingue-se de muitos intelectuais tradicionalistas contemporâneos pelo papel que atribuiu ao pensamento vivo, destinado a comunicar-se por meio da acção pessoal e a organizar-se na conquista do apostolado. Esta inédita união de pensamento e acção não foi compreendida por alguns ambientes tradicionalistas, habituados a conciliar a doutrina contra-revolucionária com uma praxis política inspirada em diversas teorias. Isto sucedeu sobretudo em França, depois da experiência da Action Française. (...)
Ainda que possa parecer singular, na Europa, "Revolução e Contra-Revolução" teve a sua influência mais profunda, além da península ibérica, sobretudo na Itália, país carente de uma cultura tradicionalista no sentido estrito do termo. (...)
Enquanto a revolução contestatária assolava a Itália, nascia, em torno dos princípios do livro "Revolução e Contra-Revolução", (...) o grupo Alleanza Cattolica e, em 1973, a revista Cristianità. Em "Revolução e Contra-Revolução" inspiraram-se sucessivamente outros grupos e movimentos, entre os quais o Centro Cultural Lepanto, fundado em Roma, no ano de 1982.
Nobreza e elites tradicionais análogas, perante a IV Revolução
"Nobreza e elites tradicionais análogas" pode ser considerada a continuação ideal e o desenvolvimento de "Revolução e Contra-Revolução".
Num ensaio intitulado "Revolução e Contra-Revolução vinte anos depois", Plínio Corrêa de Oliveira descrevia o aparecimento, depois da Revolução comunista, de uma IV Revolução menos ideológica e mais tendencial, a qual visa extinguir os velhos modelos de reflexão, volição e sensibilidade, para atingir mais rapidamente a meta última da Revolução: instalar, sobre as ruínas da Civilização Cristã, uma sociedade "tribal" e anárquica, submetida ao Príncipe das Trevas. A volta ao modelo humano representado pelas "elites tradicionais" pode constituir, segundo o pensador brasileiro, o principal antídoto a este extremo declínio da sociedade. Com efeito, a revolução da Sorbonne, em 1968, constituiu uma explosão de alcance universal, que acelerou a proletarização da sociedade. O impulso ao contínuo aperfeiçoamento, que caracterizava a Idade Média e os séculos sucessivos, poderia hoje renascer se nele a nobreza encontrasse o sentido da sua própria missão histórica. (...) » Roberto de Mattei
Francisco Cabral de Moncada
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