segunda-feira, 3 de outubro de 2011

EXPRESSO DO OCIDENTE

Sexta-feira, 30 de Setembro
Início de Outono. Em período habitualmente marcado pelo arranque dos reality shows nas televisões generalistas, a justiça portuguesa não quis ficar atrás e resolveu dar o seu contributo oferecendo aos canais de notícias por cabo conteúdos premium de elevada qualidade: a Comarca de Oeiras mandou prender ontem Isaltino Morais para o mandar libertar... hoje, num episódio de tremenda categoria a fazer lembrar aquele já longínquo momento em que Vale e Azevedo foi libertado para voltar a ser preso uns segundos depois. E, naturalmente, tudo em directo na caixinha que mudou o mundo com o auxílio em tempo real de comentadores especializados que nos explicam as jogadas da defesa ou os ataques menos conseguidos. No fundo, uma coisa parecida com os programas de futebol só que em versão absolutamente desinteressante.
Igualmente desinteressante parece ser a execução orçamental do Estado e - párem as máquinas! - não parece que por agora a culpa seja do Alberto João. Feitas as continhas, o ministro da fazenda vem informar o país de que o primeiro semestre de 2011 encerra com um défice de 8,3%, distante de todas as promessas feitas de cada vez que nos anunciam mais uma ida ao bolso do contribuinte. Incapaz de emagrecer verdadeiramente, a tutela promete agora cumprir em Dezembro próximo o acordado com a troika deitando mão de mais uma habilidade, desta vez à custa do fundo de pensões do Banco de Portugal. Há dias assim, em que nada constitui surpresa.

Sábado, 1 de Outubro
Por associação de ideias com o caso Isaltino, conta-nos o i que a troika anda a tentar perceber os contornos do assalto ao BCP levado a cabo pelo governo de Sócrates mailos célebres empréstimos a Joe Berardo e, não menos relevante, a actividade desse verdadeiro guru do empreendedorismo que dá pela graça de Armando Vara. Ora aí está algo que se aplaude, apesar da indiferença que estes temas merecem da justiça lusa. Espera-se ao menos que, agora que enfiou os pés na mais podre lama lacional, a rapaziada lá do estrangeiro possa levar o estudo até ao fim por muita que seja a sucata a encontrar.
À tarde, manifestações da CGTP pré-anunciam uma semana de greves mais ou menos generalizadas entre 20 e 27 de Outubro. O costume, vindo de quem vem. Igualmente habituais, mas muito mais divertidas, são as imagens que o noticiário da noite da SIC nos oferece: no "grande" jantar-comício do PS-Madeira, por entre três dúzias de gatos pingados e com a presença do líder nacional António José Seguro, os repórteres erram o alvo na entrevista costumeira ao lançarem as questões a uma senhora de camisola laranja que confessa votar no agrupamento da cor da camisola que ostenta. Ao jantar, garante, compareceu apenas porque era de borla. Apreciador do Bolo do Caco, das tradicionais espetadas, de um peixe-espada e de uma Coral tirada com boa pressão, ainda por cima à conta dos xuxalistas, até eu faria, eventualmente, um sacrifício desta monta. Ainda por cima, seria sempre possível dar um salto lá fora para um cigarrinho quando o Tó Zé começasse a falar.

Domingo, 2 de Outubro
À semelhança de Passos Coelho, também o Diário de Notícias sonha com tumultos e diz ter tido acesso a documentos internos das polícias onde se garante serem esperados os ditos com o agravamento das medidas de austeridade previstas e por prever. Escreve inclusivamente a folha da Olivedesportos que os agentes já estão na rua, em busca de infiltrações e da identificação dos prevaricadores potenciais. Não querendo desiludir as polícias, permito-me discordar da expectativa de tão pesado quadro. Totalmente anestesiados, incapazes de lobrigar um pingo de credibilidade ou de merecimento na classe política e indiferentes ao que não seja a sua vida mais próxima, os portugueses não estão virados para aventuras do género - estarão virados para outras, como pagar o menor IVA possível sempre que possível, mas isso já são contas de um outro campeonato. A indiferença presenciei-a aliás ontem, no supermercado do El Corte Inglés, onde um conhecido ministro fazia calmamente as suas compras. Nem uma piada, nem uma boca, rigorosamente nada. Apenas indiferença. Não querendo ensinar as polícias ou os responsáveis pela Administração Interna, sobre tumultos sugiro o seguinte: deitem bem a vista aos bairros problemáticos e explosivos que envolvem Lisboa e que todos sabemos quais são, haja mão firme nas brincadeiras dos sempre desculpados "jovens" e verão que, no futuro próximo, é muito mais pequena a probabilidade de se queimarem carros e lojas como sucedeu em Londres e Paris.

Pedro Guedes da Silva