DA GINÁSTICA GENEALÓGICA
Num jantar social, dos raros a que vou, e que guardo na memória com gosto, fui encaixado entre duas jovens senhoras. Sabendo eu que o anfitrião, todo ele protocolar e palaciano, não dá ponto sem nó, calculei logo haver afinidades entre nós os três. Confrontado com os nomes — ilustres, mas de paragens distantes — das bonitas vizinhas de mesa, não vislumbrei qualquer ligação a mim, nem à minha gente. Estranhei então que se referissem ambas a antepassados meus, com familiaridade, contando episódios do Alentejo de outras eras. Depois de vários exercícios de ginástica mental da minha parte, solitários e sem sucesso, não hesitei mais e perguntei-lhes quem eram. Afinal, tratava-se de irmãs — uma loira, outra morena —, e de uma família que conviveu com a minha ao longo de várias gerações; mas, como ostentavam orgulhosamente os apelidos dos senhores seus maridos, longe estava eu de poder adivinhar quem seriam. Tudo isto me levou a concluir, mais uma vez, que triste é este hábito, introduzido pelo Liberalismo e consagrado pela República, de as senhoras adoptarem o nome dos maridos e de deixarem cair o do seu sangue — de pai, mãe, e avós. Assim, arriscamo-nos a falar uma noite inteira com primas sem o saber. Mudem lá isso!
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