sexta-feira, 22 de junho de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 21

Com excepção do futebol quando nos corre de feição, e ainda que já tenha finalmente chegado o Verão, o ambiente está tão pesado, tão cinzento, que as palavras teimam em moldar-se nessa cor e peso, indiferentes ao nosso querer.

A carteira fez várias tentativas, mas cada tema parecia mais deprimente que o anterior e fui recusando, para seu desespero, porque não parava de remexer as suas entranhas em busca frenética de alternativas ao que me ia sendo sugerido.

Tarefa difícil, tentar animar quando o mundo nos desanima. A tentação de cavalgar a onda é muita. Todos temos razões infinitas para nos irmos abaixo, cada qual com sua cor, e todas escuras, é certo, mas não pode ser. Nem que seja por momentos, para termos a certeza de que ainda estamos acordados e vivos, que ainda somos, que seremos, que sentimos, é preciso buscar as cores claras, desenhar sorrisos, pintar sonhos, esculpir esperanças.

Nada. As palavras calaram-se. Ou mimetizam o ambiente ou fazem greve. Problema grave, porque não há quem me faça os serviços mínimos.

Convoco assembleia-geral e tento chamá-las à razão. Isto não pode continuar. Sim, os tempos são tristes. Mas tristezas não pagam dívidas e só por acaso ouvi dizer que temos uma gigante por pagar, que ainda se vai transformar em gigantone.

A porta-voz das palavras tenta retorquir do alto do seu poder argumentativo. Temos direito à lamechice, à revolta, ao desespero!

Claro que sim! Sempre. Ninguém nos cala. Mas a sobrevivência depende também de palavras sonhadas, sorridas e vividas.

Acabámos num acordo colectivo de trabalho. Pelo menos uma vez por mês, ajudam à animação e nas sessões motivacionais, sem pagamento de horas extraordinárias.

À margem da lei deixo-as cumprir todos os antigos feriados, porque sei que gostam de celebrar e não afecta a produtividade. Apreciaram especialmente o 1º de Dezembro, sendo como são, muito patrióticas.

Nada como dialogar. Abençoadas palavras.


Leonor Martins de Carvalho


P.S. Um dia de folga porque Portugal ganhou aos checos, para que as palavras entrem no espírito da coisa.