CARTEIRA DE SENHORA
DIA 23
Ando com a
ligeiríssima sensação de que a carteira ouve recados de outras pessoas com
sugestões de temas. Pensa que é dona do “quando o telefone toca” e dá-lhe
prazer inventar frases sem nexo só para rimar com o nome do produto. Está-se
mesmo a ver que depois fica deliciada a ouvir a “sua” frase vezes sem conta e
impinge-me o tema sugerido por quem tinha a voz mais maviosa.
Desde o nascimento
andam à nossa roda com mil cuidados para que sejamos competentes. Em
variadíssimas áreas, ou vertentes, como é mania dizer agora. A primeira
competência que temos de aprender é comer sozinhos (área alimentar), segue-se a
competência para deixar as fraldas (área sanitária), depois para falar (área da
comunicação), vestir, abotoar botões, atar atacadores e estar à mesa (área
social), mais tarde escrever, ler, interpretar (área académica), e por fim o
aprender de qualquer saber que nos permita sobreviver.
Vida fora exigem-nos
competência e tentamo-lo em tudo aquilo que fazemos. Por isso, o que se espera
também de quem nos governa é competência. Já nem falo de valores, que daria
outra crónica, mas a competência deve constituir o serviço mínimo de qualquer
governo.
Ou andamos em maré de
azar há muitos anos ou esgotaram o stock
de competentes.
Quando aparecem os
números fatais das execuções orçamentais ou dos relatórios do Tribunal de
Contas, nunca batem certo. Não são desvios pequenos e naturais, são sempre
desvios oceânicos que nos obrigam a voltar às caravelas. Segue-se uma catadupa
de justificações à laia de disfarce, mas nunca se põe em causa a competência.
Ninguém admite o “Princípio de Peter”.
O problema não está
na competência, está sempre em qualquer outra coisa e até nos números. Estamos
agora a aprender um novo conceito de Aritmética. São afinal os números os
incompetentes, uns safados que precisam de um puxão de orelhas ou um tempo na
cadeia.
Claro que a
incompetência não anda sozinha. Como incompetente precisa de compincha para se
safar, por isso tem par, até vários, porque é muito dada. Para não lhe
descobrirem a careca sem que daí lhe advenha entretanto algum proveito, escolhe
como parceira de dança a corrupção, a desonestidade ou a sem-vergonhice.
O tempora o mores, quase se faz gala em escolher incompetentes. Alguns, ao
princípio, enganam os incautos aparentando uma competência a toda a prova, mas
sem como nem porquê descambam rapidamente. Serão os próprios governos
fabricantes de incompetências de marca registada? Serão afinal os incompetentes
a alternativa ao pastel de nata, um novo produto exportável tão necessário à
nossa economia?
Não venham dizer que
a culpa é nossa. Que mania esta, ultimamente, de tudo ser culpa nossa. Pura
jogada de marketing a explorar o
nosso eterno sentimento de culpa. Não é. É que não é mesmo.
Não venham dizer que
merecemos. Também não. Ninguém merece esse destino da eterna desgovernança.
Do que temos culpa é
de não termos competência para mudar as coisas.
Leonor Martins de
Carvalho
<< Home