CARTEIRA DE SENHORA
DIA 24
Ponho a mão na
carteira em busca desesperada de tema. Mexo, remexo e nada. Anda muda a
coitada. Que faço agora? É sua a crónica, mesmo que às vezes pense que faça
batota. Lá a convenci a fazer uns exercícios respiratórios tentando acalmar a
agonia causada pelo mar de podridão que por aí grassa. E que tal um tema
distractivo que distraia da distracção-mor do Reino por estes dias?
Pois é isso mesmo,
distrair quando não podemos andar distraídos. Falemos então de distracções. Das
mentiras, mentirinhas e mentironas que são distracções. Das promessas e dos
enganos. Dos engodos. Das manipulações. Das omissões. Das inverdades e das
meias-verdades.
A verdade, o falar
verdade, deixou de ter importância. Não é valor interessante, não tem cotação
em Bolsa nem traz vantagens patrimoniais.
Onde está hoje quem
diz a verdade? Onde está a verdade? Esconderam-na.
Já não nos deixam
vê-la, ouvi-la, tocá-la. Tapam-na com vestidos de alta-costura para nos
distrair. Ou com burkas que nos
cegam. Fecharam-na na quarta cave numa arrecadação blindada para que se não
ouçam os seus gritos. Ou num sótão esconso, rodeada de velharias, tratada como
coisa, descartável e descartada.
Tão escondida está que
já a mentira ocupou pressurosamente o seu lugar. Uma ocupação selvagem, sem
licenças, sem desculpas e sem arrependimentos.
A mentira assume-se
então como a “nova verdade” ou a “verdade renascida”. Sendo mentira, trabalha
por turnos: é constantemente substituída por outra. Tanto faz, na verdade.
Qualquer mentira é sempre uma nova verdade sabendo nós que não é a verdadeira,
mas apenas um seu travesti.
Mentem governantes,
políticos, empresas e por contágio jornalistas e todos nós. Mentem a todos e até
a si próprios. Passou a fazer parte da vida dos portugueses esta mentira,
máscara da verdade. Aceite naturalmente e praticada como se fosse inata. Poucos
se indignam. Quase parece que desejamos que nos mintam.
Vivemos assim num
mundo paralelo, ilusão e sombra do real, que continua entretanto o seu caminho,
ignorante da nossa cegueira e ansioso por salvação.
Estamos quase a
esquecer que afinal a verdade existe, que até é o valor principal, que sem
verdade somos humanos inacabados.
Precisamos
urgentemente da verdade. Chegou a hora de a descobrir, resgatá-la das peias que
a prendem e dar-lhe o lugar de honra que merece.
É que as mentiras
dividem e a verdade une. Se queremos ajudar a reconstruir Portugal, busquemos a
verdade. Por todos os cantos.
Leonor Martins de
Carvalho
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