sexta-feira, 27 de julho de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 26

Desdobrei o papel, encontrado no meio da habitual confusão. Tinha apenas escrevinhados algarismos romanos: XXVI, LII, VI. A malandra a querer ser enigmática. Sorri. O recado era simples, mas encantador.

Sendo esta a vigésima sexta crónica, equivale a uma existência de seis meses. Quer dizer que já se senta, gatinha mas ainda não anda. Palra, ri e começa a descobrir o mundo, tão fascinante. Nem sonha o que a espera.

Assim, hoje não há tentativas desesperadas de exortações nem pretensas análises sociológicas. É a hora de balanço anual, antecipado num semestre: a carteira gosta de caminhar à frente do tempo. Quer mostrar que é modernaça mas é somente inconfessável desassossego.

Estou muito grata ao João Marchante que, por instinto, sem sequer me conhecer, conseguiu fazer-me sair da caverna, perdida que estava em labirintos de rotinas e burocracias com paredes forradas de ofícios, relatórios e informações, para tentar qualquer coisa de diferente, um desafio imenso para mãos e mente já enferrujadas e sempre inseguras, obrigando (ó horror dos horrores!) a uma disciplina, pelo menos aparente. Afinal, aparece um texto todas as sextas-feiras. Os ínvios caminhos trilhados até lá, não consigo nem devo reproduzir. Tanto vou de jipe como de bicicleta e esqueço-me de marcar as árvores, optando por deixar um rasto de migalhas, esquecido o conto dos irmãos Grimm.

Hesito entre as palavras divertimento e angústia e decido-me pelas duas, por mais que pareçam casal improvável. Frequentam locais diferentes nas saídas ao fim-de-semana, mas encontram-se todas as quintas-feiras antes da solene entrega do texto.

Tem sido uma PPPP, parceria polémica e pouco privada, entre a carteira de senhora e a respectiva dona. Tem a vantagem de não custar um tostão ao Orçamento de Estado, sendo verdade que também não contribui em nada para o Produto Interno Bruto.

Com algumas, poucas, excepções, não faço ideia de quem são os leitores da crónica. Ou sequer se é lida. Ou se lendo, gostam. Importa, isso? Aqui na sala do João, um pouco, sim. Visitas querem-se bem comportadas e agradáveis, não que destruam a sala e insultem os outros convidados.

Esta crónica, espécie de sanduíche mista sem manteiga, de carteira e Leonor, não tem pretensões a ser muito mais do que tem sido. Não que queira a estagnação, a monotonia da palavra. Nada disso. Antes pelo contrário, vou teimar em tentar escrever melhor, em português e não em “acordês”, e de preferência que não seja a correr (como hoje! como sempre!). O que não queremos perder é simplicidade, verdade, sinceridade, transparência. No dia em que faltarem, agradeço que me avisem. Com aquelas sirenes de ambulância que têm vários tipos de sons, cada um mais irritante que o anterior.

Aos leitores indefectíveis bem hajam pela paciência e incentivos. Peço-lhes que escrevam no livro amarelo sempre que tiverem razão de queixa. Esta será devidamente encaminhada para a ASAE, que tomará as devidas providências e autuará as autoras na proporção da sua responsabilidade.

Sinto-me bem aqui. Obrigada, João.

Leonor Martins de Carvalho