CARTEIRA DE SENHORA
DIA 26
Desdobrei o papel,
encontrado no meio da habitual confusão. Tinha apenas escrevinhados algarismos
romanos: XXVI, LII, VI. A malandra a querer ser enigmática. Sorri. O recado era
simples, mas encantador.
Sendo esta a vigésima
sexta crónica, equivale a uma existência de seis meses. Quer dizer que já se
senta, gatinha mas ainda não anda. Palra, ri e começa a descobrir o mundo, tão
fascinante. Nem sonha o que a espera.
Assim, hoje não há
tentativas desesperadas de exortações nem pretensas análises sociológicas. É a
hora de balanço anual, antecipado num semestre: a carteira gosta de caminhar à
frente do tempo. Quer mostrar que é modernaça mas é somente inconfessável desassossego.
Estou muito grata ao
João Marchante que, por instinto, sem sequer me conhecer, conseguiu fazer-me
sair da caverna, perdida que estava em labirintos de rotinas e burocracias com
paredes forradas de ofícios, relatórios e informações, para tentar qualquer
coisa de diferente, um desafio imenso para mãos e mente já enferrujadas e sempre
inseguras, obrigando (ó horror dos horrores!) a uma disciplina, pelo menos
aparente. Afinal, aparece um texto todas as sextas-feiras. Os ínvios caminhos
trilhados até lá, não consigo nem devo reproduzir. Tanto vou de jipe como de
bicicleta e esqueço-me de marcar as árvores, optando por deixar um rasto de
migalhas, esquecido o conto dos irmãos Grimm.
Hesito entre as
palavras divertimento e angústia e decido-me pelas duas, por mais que pareçam
casal improvável. Frequentam locais diferentes nas saídas ao fim-de-semana, mas
encontram-se todas as quintas-feiras antes da solene entrega do texto.
Tem sido uma PPPP,
parceria polémica e pouco privada, entre a carteira de senhora e a respectiva
dona. Tem a vantagem de não custar um tostão ao Orçamento de Estado, sendo
verdade que também não contribui em nada para o Produto Interno Bruto.
Com algumas, poucas,
excepções, não faço ideia de quem são os leitores da crónica. Ou sequer se é
lida. Ou se lendo, gostam. Importa, isso? Aqui na sala do João, um pouco, sim.
Visitas querem-se bem comportadas e agradáveis, não que destruam a sala e
insultem os outros convidados.
Esta crónica, espécie
de sanduíche mista sem manteiga, de carteira e Leonor, não tem pretensões a ser
muito mais do que tem sido. Não que queira a estagnação, a monotonia da
palavra. Nada disso. Antes pelo contrário, vou teimar em tentar escrever melhor,
em português e não em “acordês”, e de preferência que não seja a correr (como
hoje! como sempre!). O que não queremos perder é simplicidade, verdade,
sinceridade, transparência. No dia em que faltarem, agradeço que me avisem. Com
aquelas sirenes de ambulância que têm vários tipos de sons, cada um mais
irritante que o anterior.
Aos leitores
indefectíveis bem hajam pela paciência e incentivos. Peço-lhes que escrevam no
livro amarelo sempre que tiverem razão de queixa. Esta será devidamente
encaminhada para a ASAE, que tomará as devidas providências e autuará as
autoras na proporção da sua responsabilidade.
Sinto-me bem aqui.
Obrigada, João.
Leonor Martins de
Carvalho
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