CARTEIRA DE SENHORA
DIA 36
Anda a carteira
triste porque lhe vão roubar o dia 5 de Outubro. Claro que sendo do contra, com
isto querendo dizer contra a minha pessoa, lamenta não poder ir assistir àqueles
empolgantes discursos republicanos, ao hastear da bandeira verde e rubra nos
Paços do Concelho em banho de multidão exaltada. Recomendar-lhe-ia óculos e um
aparelho auditivo, mas respeito o entusiasmo e não comento, em omissão piedosa.
Estranhamente ou não parece que a última celebração será numa espécie de
clandestinidade.
Tive de lhe lembrar
que no dia 5 se celebra acontecimento bem mais importante. Uma das datas
ligadas à fundação da nacionalidade: o Tratado de Zamora em 1143.
Portugal não faz umas
quaisquer dezenas de anos mas oitocentos e sessenta e nove, 869, para ver se
percebem bem a grandeza dos números.
Tudo se deve
essencialmente à teimosia de um só, alguém que sonhava um Portugal independente.
Era alguém especial, D. Afonso Henriques, que após a batalha de Ourique em
1139, e aclamado pelos seus cavaleiros, passou a intitular-se rei de um
Portugal que teimava em ver livre da vassalagem a D. Afonso VII de Leão e
Castela.
Com avanços e recuos
mas com firmeza e usando de uma estratégia política bem delineada, acabou alcançando
os seus intentos. Passaram-se anos até ao Tratado de Zamora, muitos outros até
ao reconhecimento pontifício (1179), mas a teimosia deu frutos.
É graças a si que
aqui estamos ainda hoje como Nação independente. Será? Não sei se o nosso primeiro
Rei gostaria muito de ver no que Portugal se transformou. Talvez pudesse pensar
se tanto esforço afinal teria valido a pena …
Pelas leis
matemáticas e das probabilidades, dizem-nos que todos somos de alguma forma
aparentados com D. Afonso Henriques.
É indiferente.
Era mais importante
que soubéssemos ser herdeiros da sua firmeza e da sua férrea vontade de
defender a soberania.
Leonor Martins de
Carvalho
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