CARTEIRA DE SENHORA
DIA 37
A carteira foi vítima
de…carteiristas. Um dia tinha de suceder! Está tão frustrada, que só balbucia
que roubaram o que tinha valor afectivo, que o sentimento de perda é imenso,
que foi uma devassa da sua intimidade. Pediu-me limpeza a seco. Até o tema da
semana levaram, para ser vendido ao desbarato numa qualquer loja obscura e
depois entrar nas estatísticas gloriosas das exportações. Com esforço lá me
deixou um papel manchado de lágrimas. E não, não é sobre símbolos invertidos, porque
ela até fechou os olhos para poder negar ter visto tal infâmia.
De muitas formas se
costumam designar aqueles que se convencionou pertencerem a uma tal terceira idade.
Desde logo surge a primeira questão: afinal quando é que começa essa idade já
que, quanto à duração, e ao contrário das anteriores, sabemos que é vitalícia?
A fronteira é muito
volátil, variando ao longo dos séculos com a esperança de vida, as decisões
oficiais ligadas às reformas e até aos olhos de quem a aprecia.
Oficialmente dirão
agora que a terceira idade começa aos sessenta e cinco anos, porque tudo está
combinado e planeado: as reformas com os descontos nos museus e nos passes
sociais. Mas quem tem quarenta já pode ser desse “grupo” aos olhos de uma
criança. A excepção parece ser no sector agrícola. Com quarenta anos é-se jovem
agricultor quer a criança queira, quer não.
Ia-me esquecendo de
outra excepção: as juventudes partidárias. Nos partidos não existe a terceira
idade. São eternos jovens até serem primeiros-ministros. Aí chegados enchem o
currículo de linhas para provar que não o são e é um corrupio de passagens
administrativas da primeira idade para a terceira, tentando ganhar o status da experiência.
Também se ouve dizer
idosos mas é mais linguagem de televisão e de assistente social. Quem usa reformados
e pensionistas ou se prepara para os roubar ou tem a mania que fala em seu nome.
São velhos quando deixam
o cesto do supermercado ao deus-dará, fazem falcatrua no autocarro, deitam
papéis ao chão, põem os sacos do lixo nos ecopontos ou encostados às árvores, passam
à frente nas filas, escarram ou lançam impropérios.
Velhinhos são os
queridos com quem apetece tomar chá a ouvir contar histórias, e velhotes os que
estão a meio caminho entre velho e velhinho na escala métrica do carinho.
Ancião já soa a
sabedoria conselheira e depois… Depois há os avós. Os avós são outra categoria.
Não encaixam. São nossos e não têm idade.
Seja qual for a tal
idade fronteira e o nome que lhes derem, são eles hoje os sacrificados, a quem
roubaram os subsídios sem saber como nem porquê e ainda têm de ajudar filhos e
netos, quando deviam estar no merecido descanso. Muitos até arregaçam mangas e
voltam ao trabalho.
Chamem-lhes o que
quiserem. Para mim são heróis nacionais.
Leonor Martins de
Carvalho
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