sexta-feira, 12 de outubro de 2012

CARTEIRA DE SENHORA


DIA 37

A carteira foi vítima de…carteiristas. Um dia tinha de suceder! Está tão frustrada, que só balbucia que roubaram o que tinha valor afectivo, que o sentimento de perda é imenso, que foi uma devassa da sua intimidade. Pediu-me limpeza a seco. Até o tema da semana levaram, para ser vendido ao desbarato numa qualquer loja obscura e depois entrar nas estatísticas gloriosas das exportações. Com esforço lá me deixou um papel manchado de lágrimas. E não, não é sobre símbolos invertidos, porque ela até fechou os olhos para poder negar ter visto tal infâmia.

De muitas formas se costumam designar aqueles que se convencionou pertencerem a uma tal terceira idade. Desde logo surge a primeira questão: afinal quando é que começa essa idade já que, quanto à duração, e ao contrário das anteriores, sabemos que é vitalícia?

A fronteira é muito volátil, variando ao longo dos séculos com a esperança de vida, as decisões oficiais ligadas às reformas e até aos olhos de quem a aprecia.

Oficialmente dirão agora que a terceira idade começa aos sessenta e cinco anos, porque tudo está combinado e planeado: as reformas com os descontos nos museus e nos passes sociais. Mas quem tem quarenta já pode ser desse “grupo” aos olhos de uma criança. A excepção parece ser no sector agrícola. Com quarenta anos é-se jovem agricultor quer a criança queira, quer não.

Ia-me esquecendo de outra excepção: as juventudes partidárias. Nos partidos não existe a terceira idade. São eternos jovens até serem primeiros-ministros. Aí chegados enchem o currículo de linhas para provar que não o são e é um corrupio de passagens administrativas da primeira idade para a terceira, tentando ganhar o status da experiência.

Também se ouve dizer idosos mas é mais linguagem de televisão e de assistente social. Quem usa reformados e pensionistas ou se prepara para os roubar ou tem a mania que fala em seu nome.

São velhos quando deixam o cesto do supermercado ao deus-dará, fazem falcatrua no autocarro, deitam papéis ao chão, põem os sacos do lixo nos ecopontos ou encostados às árvores, passam à frente nas filas, escarram ou lançam impropérios.

Velhinhos são os queridos com quem apetece tomar chá a ouvir contar histórias, e velhotes os que estão a meio caminho entre velho e velhinho na escala métrica do carinho.

Ancião já soa a sabedoria conselheira e depois… Depois há os avós. Os avós são outra categoria. Não encaixam. São nossos e não têm idade.

Seja qual for a tal idade fronteira e o nome que lhes derem, são eles hoje os sacrificados, a quem roubaram os subsídios sem saber como nem porquê e ainda têm de ajudar filhos e netos, quando deviam estar no merecido descanso. Muitos até arregaçam mangas e voltam ao trabalho.

Chamem-lhes o que quiserem. Para mim são heróis nacionais.

Leonor Martins de Carvalho