CARTEIRA DE SENHORA
DIA 41
Numa das viagens a
carteira enjoou, sendo agora, provavelmente, a única utilizadora mundial dos
apropriados sacos de papel que as companhias aéreas tão precavidamente têm à
disposição naquela espécie de bolsa no banco do senhor da frente. A senhora do
lado espreitou pelo canto do olho, entre incrédula e enojada, mas à falta de
explicação racional decidiu-se pela cautelosa posição “deixa-me lá fingir
indiferença, não vá isto ser possível e afinal ser eu a ignorante”. Para além
deste percalço, fui obrigada pela segunda vez a escrever uma crónica, ou grande
parte dela, num avião. Já faltou mais para a renomear “crónica de uma carteira
voadora”.
Nem só de política
vive esta crónica porque dela também não vivem os homens. Nem as carteiras. Aliás,
contemplando de um alto com boa vista a medíocre (para não dizer péssima) qualidade
dos políticos demonstrada ao longo dos anos, bem pior estaríamos se assim
fosse. Vivemos mal também por causa da política mas vivemos, felizmente, para
além dela.
Se alguns dos
princípios, valores, preceitos morais ou como lhes queiram chamar, que deviam
reger o nosso dia-a-dia fossem replicados na política, acredito que o mundo
andaria bem melhor.
Será esse afinal o
problema? É o facto de na nossa própria vida já ninguém se guiar por princípios
e valores, morais, éticos, religiosos ou outros? Será um problema geracional?
Será que apenas alguns são afectados e logo por mero acaso fazem parte da
classe política? Ou é vírus geral? É então por ser geral que temos os políticos
que merecemos? São apenas espelho do que é hoje o povo português? E será mesmo
assim tão difícil ter valores na política? Será que os jovens entram na
política cheios de boas intenções, bons princípios e boas vontades e só depois
são “formatados”? Ou a ausência de valores já é condição sine qua non da sua estreia?
O teste é americano
de escolha múltipla, admitindo várias respostas.
Costumo dizer que
falta, a muitos dos que se movimentam naqueles becos obscuros da política,
terem andado na catequese. Mal não lhes tinha feito e talvez ficasse qualquer
coisa parecida com uma consciência naqueles cérebros. Uma consciência que parece
fazer igualmente falta a muitos outros…
Afinal, que valores deveriam
existir nessas altas esferas? Assim de repente, voam da minha caneta uns tantos,
se bem que uns possam abranger os outros: honra, palavra, honestidade, carácter,
humildade, lealdade, verdade, serviço…
Sem valores, ou com
eles distorcidos sobretudo pelo egoísmo e pela ganância, teremos como resultado
apenas canibais. Desaparece até o que nos caracteriza como seres humanos. Já se
nota.
Não tinha qualquer
intenção que um tema político voltasse à baila tão cedo. Entrou sem pedir
licença. Hoje em dia é o que acontece. A falta dos tais valores…
Leonor Martins de
Carvalho
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