CARTEIRA DE SENHORA
DIA 53
Hoje estamos
sintonizadas, a carteira e eu. Já vai aprendendo umas coisinhas. O dia 1 de
Fevereiro só pode significar uma coisa para ambas: a data do ignóbil Regicídio.
O dia em que mataram El-Rei e, não contentes com isso, também o Príncipe Real.
Mas está a ser
tarefa difícil. Nunca antes tinha escrito sobre o Regicídio e convenhamos que
não é agradável. Dispensava falar agora sobre a história do crime em si,
antecedentes, conspirações e envolvimentos, embora tenha uma opinião bastante
firmada sobre o assunto.
Queria antes
falar do sentimento de perda que nos afecta pessoalmente sempre que há uma
morte, mas que neste caso nos afecta a todos como Nação. Para muita gente, não
só monárquicos, é a data mais triste da nossa História. Custa acreditar que haja
quem consiga ficar completamente indiferente. É um sentimento de perda, quase
de orfandade, que ainda hoje perdura. Relembramos El-Rei D. Carlos com saudade
e lamentamos o desperdício destas duas vidas tão preciosas.
O Regicídio é
tanto mais ignóbil quanto ninguém acredita que fosse um desejo do povo. Seria
apenas o anseio de uns poucos, tão vis quanto o acto. Não foi um assassínio
qualquer, uma obra de loucos. Sabiam o que faziam e foram directos à raiz da
árvore, causando um golpe profundo. E era mesmo isso o pretendido, decepar a
raiz. Para ir secando Portugal.
Com estas
mortes, quiseram propositadamente cortar a ligação umbilical dos portugueses à
Pátria e à história. Pois, porque um Rei é também a nossa História. O nosso
garante perante interesses poderosos, o garante da nossa independência, da
nossa identidade, da nossa cultura.
Quando assim se
destrói o símbolo e a alma da Nação, da História, da perenidade, da
independência, da identidade, o objectivo é claro. Queriam a rotura
ambicionando o esquecimento. Mas não conseguiram, pois não? Se assim fosse não
havia, 105 anos depois, tantos monárquicos neste país. Com diferentes ideias é
certo, mas unidos no mesmo propósito.
O recurso à
violência, no Regicídio, dois anos depois, no 5 de Outubro, e nos anos
subsequentes, para impor um regime por que poucos pugnavam, não foi um bom
princípio. Nunca seria, até por isso mesmo, e de nada adiantou. Em muitos casos
até atrasou. O problema não estava no Rei ou no regime, mas no sistema. Ainda
hoje.
Perdendo o ponto
de referência e a rosa-dos-ventos, as consequências são previsíveis. Andamos às
voltas, perdidos e acreditamos em tudo o que nos pareça indicar o caminho
certo. Somos, e temos sido, sempre enganados.
Nunca mais foi
o mesmo, Portugal. A falta que nos fez e faz o Rei… Sentimo-lo todos os dias.
Leonor Martins de Carvalho
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