CARTEIRA DE SENHORA
DIA 56
A carteira, emigrada
neste país (teve azar!), pretende intrometer-se e opinar sobre todos os nossos
assuntos, especialmente os do momento, na ânsia de se mostrar activa e bem
integrada no seu país de acolhimento. Ela que me perdoe, mas o equilíbrio é
imprescindível à sanidade mental. Quanto mais revolta e desânimo sinto, maior a
necessidade de contrabalançar com temas ao lado.
Já aqui apresentei um
pouco da história recente do país das carteiras de senhora (vide dia 38).
Faltou caracterizar aquela sociedade, pelo menos como era antes da sua descida
aos infernos.
Este célebre país,
herdeiro directo das grandes tradições do Reino das cestas e cabazes, é quase
uma réplica do país das malas, mas sofreu bastas influências dos países dos sacos
e das mochilas. Assim nasceram muitos dos estrangeirismos introduzidos na
língua. Ressalte-se que nunca ao longo da sua História estes países tão
próximos pensaram em celebrar acordos ortográficos.
O país dos
porta-moedas, embora de pequena dimensão e inserido geograficamente no país das
carteiras de senhora, constitui região autónoma. Devido à sua capacidade
financeira tem um imenso poder, pelo que os Ministros das Finanças do país das
carteiras são sempre daí originários.
Naturalmente, o país
das carteiras de senhora, para além de características comuns às de países
próximos, tem ainda características próprias, pelo que não é uma sociedade tão
linear quanto se poderia pensar.
A primeira
estratificação acontece à nascença e é simples, tendo a ver com o seu tamanho.
Podem assim ser grandes, médias e pequenas. A simplicidade estende-se ao
formato, que, com raras excepções, se limita ao quadrangular e ao redondo. Se
tivermos em conta os seus membros superiores (já que não possuem inferiores), a
divisão mantém-se simples: duas asas, só uma ou nenhuma, com a particularidade
de nenhuma carteira voar, nem mesmo as aladas. Só o conteúdo tem essa
característica e nos momentos menos adequados.
A distinção que teve
grande importância social no passado baseia-se na matéria-prima. Há materiais
muito variados, desde o plástico (o que proporciona menor esperança de vida)
até ao cabedal, não esquecendo o tecido, o verniz e a camurça.
Na divisão seguinte a
confusão é total. Em cada tamanho, formato ou material podem ser encontradas
todas as cores. Não só as primárias. Não, isso não chega para uma carteira de
senhora. Tem de haver carteiras com cores secundárias, terciárias e por aí
adiante, admitindo-se até a coexistência pacífica de várias. Reside aqui uma
diferença para o país das malas, que é bem mais sóbrio. Daí que consiga ter a
dívida mais controlada, mas convenhamos que é cinzentão e triste.
Só que as aparências
iludem. Tudo isto são as carapaças, é o recheio que conta. O conteúdo é a alma
da carteira. Embora existam carteiras algo (não muito) organizadas, a
esmagadora maioria é adepta do caos. Mas o caos não é um qualquer. Cada uma tem
direito ao seu. O seu caos único.
Finalmente, a
influência da região autónoma dos porta-moedas é tal, que reduz qualquer
carteira a três estados durante a sua vida: recheadas, meio cheias e vazias. Neste
momento quase todas se encontram no terceiro.
Noutra semana de
revolta e desânimo ainda voltarei a este curioso país. Parece que não tarda.
Leonor Martins de Carvalho
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