CARTEIRA DE SENHORA
DIA 54
O já célebre
papelinho com o tema da semana, que a carteira me faz o favor de autorizar que
encontre algures no seu bojudo seio, tem sempre uma morte em beleza muito
contemporânea, numa instituição chamada ecoponto, que lhe permite ser uma
espécie de Fénix. Renascerá papel. Mais grosso, mais áspero, mais acastanhado,
mas papel.
Esta sociedade
consumista quer aliviar consciências e em vez de tentar alterar hábitos,
promete recolher os abusos e transformá-los, criando assim uma indústria que se
alimenta do desperdício.
Não acho mal,
diga-se, mas melhor seria que primeiro tentasse reduzir o desperdício à
partida, nomeadamente com a antiga mas eficiente solução das embalagens
retornáveis ou então com utilização de embalagens menos poluentes. Os fabricantes
dessas embalagens poderiam sempre, eles sim, reciclar-se…
O
extraordinário foi terem conseguido convencer as pessoas a fazer,
voluntariamente, parte do trabalho necessário à indústria: a separação. Isto é
que é marketing!
Civilizar as
pessoas ainda é tarefa difícil. Podem ser educadíssimas, mas no que respeita a
lixo, o pensamento é único: tirá-lo de casa o mais depressa possível. Depois de
o despejarem seja em que sítio for, da maneira mais incivilizada possível, nem
pensam mais no assunto. Desde que não esteja em casa… E não se pense
precipitadamente que são os jovens os culpados do desleixo. É mesmo
transversal, a imundície.
Assim, os
ecopontos tricolores nunca estão sós. Volta e meia acompanham-nos os chamados
monstros: fogões ou frigoríficos, armários, cadeirões, ferros retorcidos de que
não conseguimos adivinhar o formato original. Na outra meia volta estão sacos
de lixo normal, que cães com e sem dono focinham e esfarrapam espalhando o
conteúdo em redor. Muitos ainda têm por companhia as embalagens com comida e
água com que boas almas alimentam os animais vadios.
Pelos vistos
ainda servia de pouco a separação voluntária e assim, nalguns bairros, deixaram
na rua um só dos elementos do trio, passando a fazer-se recolha selectiva
porta-a-porta, coisa muito organizadinha, em dias alternados. O ecoponto que
restou, o vidrão, continua a ter companhia. Mas se não fosse ele era a árvore
mais próxima.
Agora cada
prédio tem o seu mini-ecoponto e os problemas de fora saltaram para dentro, com
a agravante de não ser ao ar livre. Há quem não se preocupe minimamente e ponha
lixo normal nos caixotes de tampa amarela ou azul. Em casa é que não fica! O
cheiro às vezes é insuportável. Nem vale a pena perguntar. Ninguém vai
confessar, claro.
Teria sido
simpático a Câmara, em equipa com as Juntas de Freguesia, ter feito uma
campanha nos bairros, ensinando, especialmente os mais velhos, a separar o
lixo. Os condóminos mais experientes nestas andanças de recicláveis também
podiam oferecer-se para explicações ao domicílio nos primeiros tempos.
Da separação do
lixo e da reciclagem resultam novos produtos. Duvido que isto seja aplicável
aos políticos que nos desgovernam há anos demais. Estão mais próximos da
categoria lixo indiferenciado, próprio apenas para ser enterrado. Longe da
vista e do olfacto. Recolha às terças, quintas e sábados.
Leonor Martins de Carvalho
<< Home