CADERNOS INTERATLÂNTICOS (7)
Não. Embora apeteça-me desabafar,
não irei aqui descarregar contra verdugos de coelhos, manifestantes
grândoleiros ou mitomanias chávezianas. Tampouco irei aqui verter lágrimas por
conta de mais algum episódio desta horrorosa bancarrota nacional, que para mim
é um Finis Patriae puro e duro. Adepto da máxima que um dia ouvi da boca de
um sacerdote mexicano, “a Dios rogando y
con el mazo dando”, se não afrouxo na oração tampouco dou descanso ao
porrete da doutrinação. Então cá vamos:
Autoridade e Ordem
Duas palavras, dois conceitos
essenciais mas ausentes na política e na análise política dos nossos dias, aqui
e em todo lado.
A Autoridade esfumou-se, embora
sintamos todo o peso esmagador do Poder, aquela como a força de um prestígio
que convida à obediência voluntária, este como a força que submete pela
coerção. Sem Autoridade não há Ordem, pois é aquela que cria esta. E sem Ordem não há sociedade que possa
existir, prosperar e conservar-se. É justamente por isso que o politico deve
ser abordado desde a preocupação fundamental com a questão da Ordem.
Tal ocorreu na reflexão política
de Maurras, a qual, como se sabe, impactou sobremaneira no pensamento
salazariano. De facto, um dos pontos de contacto entre o filósofo galo e o
catedrático coimbrão é justamente o pensar a politica a partir da preocupação
básica com a Ordem. Para Maurras a Ordem é a essência do ser, o fundamento último
de tudo o que existe; para Salazar a Ordem é a disposição harmónica de todas as
coisas para um determinado fim – que para ele é transcendente: é Deus. Ambos constatam e abominam a Desordem que
impera em seus respectivos contextos espácio-temporais, e pensam as condições para
restaurar a Ordem perdida. Se têm muito claro que a Ordem é o que torna
possível a vida colectiva e o que possibilita a construção de uma autêntica
civilização, ambos consideram que aquela não é um fenómeno espontâneo, mas uma
função da Autoridade.
Maurras e Salazar reconhecem à
Autoridade um duplo papel: o de “ordenadora” e o de “criadora”. Assim, “ordenadora”, a Autoridade torna
possível a vida social e a civilização; “criadora”, é através dela que se
realiza todo o esforço construtivo dos homens, dos trabalhos mais modestos à
obra mais transcendente. Mas a Autoridade em chave maurrasiana e salazariana
tem outros atributos: Se é uma
necessidade absoluta, da qual tudo depende, não é um fim em si mesma – é um
meio. Longe de ser uma propriedade ou um
privilégio, é um dever. Se ambos entendem que tanto a Autoridade como a
liberdade são necessárias para uma sociedade bem constituída, rechaçam por
completo a noção de que o agregado social possa ter como fundamento a liberdade
e não a Autoridade. É, pois, a Autoridade que prima sobre a liberdade. Maurras
e Salazar vão equacionar o problema politico fundamental através de um
mecanismo de ajuste, uma sintonia fina entre a Autoridade, por um lado, e a
liberdade, por outro. É a fórmula maurrasiana da “l´autorité en haut, les libertes en bas”; é a conciliação
salazariana da “liberdade possível” e da “autoridade necessária”. A Autoridade para ambos é um facto, uma
realidade inevitável: sempre haverá alguém que mande, sendo, pois, essencial, que
sejam garantidas as condições para que mande o melhor e em benefício de todos.
Outro aspecto da sua teorização da Autoridade é que para eles esta não pode ser
fabricada por mão humana: é uma qualidade nata: um “dom do Céu”, segundo o
chefe da Action française; “um alto
dom da Providência”, na expressão do arquitecto do Estado Novo. Trata-se, pois,
de uma função sagrada, orientada obrigatória e exclusivamente ao bem comum e
que, por essa razão, convida à obediência voluntária. Sem dúvida, Maurras e
Salazar compartem uma concepção paternal da Autoridade: seu exercício pauta-se
pela consciência do dever, do sacrifício, da justiça e da caridade. A
Autoridade é essencialmente forte e não admite ser discutida, mas não pode ser
violenta nem injusta na sua acção. A unidade fundamental da Nação deve estar
reflectida na unidade da Autoridade politica: unidade de pensamento e unidade
de acção. A Autoridade está igualmente caracterizada por uma dupla
estabilidade: pela constância no seu exercício, pela vigência ou permanência da
própria Autoridade. A independência é
outro atributo essencial da Autoridade teorizada por Maurras e Salazar. Deve
estar imunizada contra três principais tipos de influencias nefastas: do
espírito de partido e do jogo das facções; dos movimentos anárquicos da
opinião; da acção daninha da plutocracia.
E mais: ambos coincidem em que a Autoridade é sábia, capaz de discernir
o bem e de seleccionar os meios adequados para a sua realização (a prudência),
e dotada de saber teórico e prático obtido através do estudo e da experiência
(a sabedoria). Sábia, a Autoridade é, por isso mesmo, educadora, formadora. Não
se esgotam aqui os atributos da Autoridade teorizada pelo mestre da
Contra-revolução e pelo estadista nascido no Vimieiro. Mas o que aqui está – o
fundamental – já é mais do que suficiente para comprovar que vivemos sem
Autoridade e, por conseguinte, sem Ordem.
Como dizia o General Perón, “o
Poder semelha-se ao dinheiro: ganha-se, perde-se, recupera-se. A Autoridade, no
entanto, é como a vergonha: uma vez que se perde não se recupera nunca mais”.
Até para a semana.
Marcos Pinho de Escobar
<< Home