segunda-feira, 11 de março de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (7)

Não. Embora apeteça-me desabafar, não irei aqui descarregar contra verdugos de coelhos, manifestantes grândoleiros ou mitomanias chávezianas. Tampouco irei aqui verter lágrimas por conta de mais algum episódio desta horrorosa bancarrota nacional, que para mim é um Finis Patriae puro e duro.  Adepto da máxima que um dia ouvi da boca de um sacerdote mexicano, “a Dios rogando y con el mazo dando”, se não afrouxo na oração tampouco dou descanso ao porrete da doutrinação.  Então cá vamos:
Autoridade e Ordem
Duas palavras, dois conceitos essenciais mas ausentes na política e na análise política dos nossos dias, aqui e em todo lado.
A Autoridade esfumou-se, embora sintamos todo o peso esmagador do Poder, aquela como a força de um prestígio que convida à obediência voluntária, este como a força que submete pela coerção. Sem Autoridade não há Ordem, pois é aquela que cria esta.  E sem Ordem não há sociedade que possa existir, prosperar e conservar-se. É justamente por isso que o politico deve ser abordado desde a preocupação fundamental com a questão da Ordem.
Tal ocorreu na reflexão política de Maurras, a qual, como se sabe, impactou sobremaneira no pensamento salazariano. De facto, um dos pontos de contacto entre o filósofo galo e o catedrático coimbrão é justamente o pensar a politica a partir da preocupação básica com a Ordem. Para Maurras a Ordem é a essência do ser, o fundamento último de tudo o que existe; para Salazar a Ordem é a disposição harmónica de todas as coisas para um determinado fim – que para ele é transcendente: é Deus.  Ambos constatam e abominam a Desordem que impera em seus respectivos contextos espácio-temporais, e pensam as condições para restaurar a Ordem perdida. Se têm muito claro que a Ordem é o que torna possível a vida colectiva e o que possibilita a construção de uma autêntica civilização, ambos consideram que aquela não é um fenómeno espontâneo, mas uma função da Autoridade.
Maurras e Salazar reconhecem à Autoridade um duplo papel: o de “ordenadora” e o de “criadora”.  Assim, “ordenadora”, a Autoridade torna possível a vida social e a civilização; “criadora”, é através dela que se realiza todo o esforço construtivo dos homens, dos trabalhos mais modestos à obra mais transcendente. Mas a Autoridade em chave maurrasiana e salazariana tem outros atributos:  Se é uma necessidade absoluta, da qual tudo depende, não é um fim em si mesma – é um meio.  Longe de ser uma propriedade ou um privilégio, é um dever. Se ambos entendem que tanto a Autoridade como a liberdade são necessárias para uma sociedade bem constituída, rechaçam por completo a noção de que o agregado social possa ter como fundamento a liberdade e não a Autoridade. É, pois, a Autoridade que prima sobre a liberdade. Maurras e Salazar vão equacionar o problema politico fundamental através de um mecanismo de ajuste, uma sintonia fina entre a Autoridade, por um lado, e a liberdade, por outro. É a fórmula maurrasiana da “l´autorité en haut, les libertes en bas”; é a conciliação salazariana da “liberdade possível” e da “autoridade necessária”.  A Autoridade para ambos é um facto, uma realidade inevitável: sempre haverá alguém que mande, sendo, pois, essencial, que sejam garantidas as condições para que mande o melhor e em benefício de todos. Outro aspecto da sua teorização da Autoridade é que para eles esta não pode ser fabricada por mão humana: é uma qualidade nata: um “dom do Céu”, segundo o chefe da Action française; “um alto dom da Providência”, na expressão do arquitecto do Estado Novo. Trata-se, pois, de uma função sagrada, orientada obrigatória e exclusivamente ao bem comum e que, por essa razão, convida à obediência voluntária. Sem dúvida, Maurras e Salazar compartem uma concepção paternal da Autoridade: seu exercício pauta-se pela consciência do dever, do sacrifício, da justiça e da caridade. A Autoridade é essencialmente forte e não admite ser discutida, mas não pode ser violenta nem injusta na sua acção. A unidade fundamental da Nação deve estar reflectida na unidade da Autoridade politica: unidade de pensamento e unidade de acção. A Autoridade está igualmente caracterizada por uma dupla estabilidade: pela constância no seu exercício, pela vigência ou permanência da própria Autoridade.  A independência é outro atributo essencial da Autoridade teorizada por Maurras e Salazar. Deve estar imunizada contra três principais tipos de influencias nefastas: do espírito de partido e do jogo das facções; dos movimentos anárquicos da opinião; da acção daninha da plutocracia.  E mais: ambos coincidem em que a Autoridade é sábia, capaz de discernir o bem e de seleccionar os meios adequados para a sua realização (a prudência), e dotada de saber teórico e prático obtido através do estudo e da experiência (a sabedoria). Sábia, a Autoridade é, por isso mesmo, educadora, formadora. Não se esgotam aqui os atributos da Autoridade teorizada pelo mestre da Contra-revolução e pelo estadista nascido no Vimieiro. Mas o que aqui está – o fundamental – já é mais do que suficiente para comprovar que vivemos sem Autoridade e, por conseguinte, sem Ordem.
Como dizia o General Perón, “o Poder semelha-se ao dinheiro: ganha-se, perde-se, recupera-se. A Autoridade, no entanto, é como a vergonha: uma vez que se perde não se recupera nunca mais”.
Até para a semana.
Marcos Pinho de Escobar