segunda-feira, 1 de abril de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (10)


No Portugal abrilescamente insignificante e em vias de extinção, custa a muitos acreditar que a terra lusa já produziu santos e heróis - ou, pelo menos, gente que não media sacrifícios para servir a Pátria. É por isso que, de quando em vez, gosto de sair em busca de testemunhos desta “produção”, especialmente pelas paragens mais meridionais da América do Sul. Há alguns anos encontrei um indivíduo com uma folha de serviço mais que interessante: trata-se de Patrício José Corrêa da Câmara, primeiro Visconde de Pelotas.


Portugal avança para o Sul com o objectivo de dominar a margem oriental do rio da Prata. Os conflitos bélicos intercalam-se com as negociações diplomáticas - e os dois, muitas vezes, desenvolvem-se em simultâneo. Os tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777) não logram resolver a questão de fundo e o território português do Rio Grande de São Pedro (actual Rio Grande do Sul) encontra-se consideravelmente reduzido.


Entre Julho e Dezembro de 1801 o então coronel Corrêa da Câmara, Comandante da Fronteira de Rio Pardo, à cabeça de um regimento de quatrocentos homens, conquista a povoação espanhola de São Gabriel e o forte de Santa Tecla, arrasando este pela segunda e definitiva vez. Da actual cidade de Santa Maria Corrêa da Câmara, em impressionante sucessão de ataques, derrota as tropas d'Espanha nas localidades de São Martinho, São Miguel, Santo Ângelo, São Luís Gonzaga, São Nicolau e São Lourenço, terminando por incorporar, em carácter definitivo, os chamados Sete Povos das Missões Jesuítas à Corôa Portuguesa.


Mas não é tudo. Com as tropas portuguesas nas proximidades do forte de Cerro Largo, o governador de Buenos Aires, Marquês de Sobremonte, envia para ali substanciais reforços e, convencido de estar em posição favorável, lança um ultimato de vinte e quatro horas para os portugueses abandorarem a zona. Fica célebre a resposta do coronel português Manuel Marques de Souza, comandante da Fronteira do Rio Grande e futuro Marquês de Porto Alegre: "Nem em 24 horas, nem em 2400 anos" sairiam eles dali – e que os espanhóis se atrevessem confirmar a disposição lusa. A tensão é grande e as hostilidades podem começar a qualquer momento. Entretanto irrompe o temerário coronel Corrêa da Câmara com o seu regimento, movendo a balança a favor de Portugal. O Marquês de Sobremonte - imagino-o a estudar o terreno e a correlação de forças através de sua lorgnette - decide a retirada das suas tropas. É exactamente aí que fica demarcada a fronteira do que mais tarde vem a constituir o Brasil e o Uruguai, mesmo após a incorporação por parte de Portugal da Província Cisplatina e a sua posterior independentização como República Oriental.


Ao fim desta gesta Patrício José Corrêa da Câmara é promovido a tenente-general e feito Visconde de Pelotas. Estamos no final de 1801, no reinado de D. Maria I e na regência do príncipe D. João. Era ainda época de servir a Pátria, honrá-La, dilatá-La. Tivemos de esperar o último quartel do século XX para assistir à ignominiosa inversão destas práticas.


Até para a semana.


Marcos Pinho de Escobar