CADERNOS INTERATLÂNTICOS (11)
A Argentina é um país curiosíssimo. Em apenas trinta
anos, de 1880 a 1910, logrou-se transformar a pampa húmida dos gauchos
em um dos países mais ricos, mais cultos e com um dos mais elevados níveis de
vida em todo o mundo. Quem tem a oportunidade de visitar Buenos Aires agora, já
profundamente alterada por décadas de crisis de todos os tipos e magnitudes,
ainda vai maravilhar-se com a beleza, a elegância e a grandiosidade do que
restou dos palácios, prédios públicos e privados, parques, jardins, tudo à
imagem e semelhança de Paris. Por momentos o visitante sentir-se-á na velha
Europa de outros tempos: livrarias em cada esquina, cafés decorados com boiseries
e alabastro, confeitarias de ambiente parisiense ou deliciosamente Mitteleuropa;
grande oferta de concertos, ópera e ballet; gente vestida a preceito,
muitas vezes em flanela cinza ou tweeds.
Nos últimos anos do século XIX
o produto per capita igualava os níveis obtidos na Alemanha, na Bélgica e na
Holanda, superando a França, a Itália e a Espanha. Em 1914 o ordenado médio de
um trabalhador industrial na capital argentina era 20% superior ao do seu
homólogo de Paris. Por esta altura um em cada três habitantes de Buenos Aires
era imigrante – a vasta maioria italianos e espanhóis. Após a II Guerra Mundial
e graças à fortuna acumulada pelas vendas de carne e trigo aos beligerantes, o
governo de Perón mete ombros à industrialização: em 1947, sob a orientação de
engenheiros alemães, constrói-se o primeiro avião a jacto, um caça militar;
desenvolve-se uma indústria petrolífera de grande porte; surgem fábricas de
automóveis que, ao longo dos anos, atingem o número de dez; fabrica-se o
primeiro computador da Iberoamérica; domina-se a tecnologia nuclear;
produzem-se navios, locomotivas e maquinária sofisticada.
A Argentina de hoje
está em pantanas. A indústria, em sua maior parte, esfumou-se – ou foi
substituída pela brasileira, a única no mundo a contar com mercado cativo. A
Argentina dos europeus que para cá se dirigiam a fazer a América apresenta
neste momento 50% de pobres, grande parte indigentes. Para tornar-se rica e
desenvolvida a Argentina olhava para a Europa e para a América do Norte – ali
dirigia-se a buscar inspiração, exemplo, companhia e negócios. Hoje, pobre, a
ostentar o título de única sociedade que transitou do desenvolvimento ao
subdesenvolvimento, o país estupidamente contenta-se em buscar o seu role
model no Brasil de analfabetos lulas e guerrilheiras diumas, grande musseque anárquico, paraíso da especulação
financeira e das negociatas. Tendo sido objecto de investigações académicas
pela rapidez e qualidade de seu processo de desenvolvimento, o país dos
Argentinos voltou a sê-lo, desta vez pela rapidez e qualidade do seu processo
de subdesenvolvimento.
Esta é a dupla excepcionalidade argentina.
Um excelente
ensaio sobre o apogeu e a decadência do país do tango é justamente La
Excepcionalidad Argentina, Auge y Ocaso de una Nación, por Vicente
Massot, Ed. Emecé, Buenos Aires, 2004.
Até para a semana.
Marcos Pinho de Escobar
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