segunda-feira, 8 de abril de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (11)


A Argentina é um país curiosíssimo. Em apenas trinta anos, de 1880 a 1910, logrou-se transformar a pampa húmida dos gauchos em um dos países mais ricos, mais cultos e com um dos mais elevados níveis de vida em todo o mundo. Quem tem a oportunidade de visitar Buenos Aires agora, já profundamente alterada por décadas de crisis de todos os tipos e magnitudes, ainda vai maravilhar-se com a beleza, a elegância e a grandiosidade do que restou dos palácios, prédios públicos e privados, parques, jardins, tudo à imagem e semelhança de Paris. Por momentos o visitante sentir-se-á na velha Europa de outros tempos: livrarias em cada esquina, cafés decorados com boiseries e alabastro, confeitarias de ambiente parisiense ou deliciosamente Mitteleuropa; grande oferta de concertos, ópera e ballet; gente vestida a preceito, muitas vezes em flanela cinza ou tweeds.


 
Nos últimos anos do século XIX o produto per capita igualava os níveis obtidos na Alemanha, na Bélgica e na Holanda, superando a França, a Itália e a Espanha. Em 1914 o ordenado médio de um trabalhador industrial na capital argentina era 20% superior ao do seu homólogo de Paris. Por esta altura um em cada três habitantes de Buenos Aires era imigrante – a vasta maioria italianos e espanhóis. Após a II Guerra Mundial e graças à fortuna acumulada pelas vendas de carne e trigo aos beligerantes, o governo de Perón mete ombros à industrialização: em 1947, sob a orientação de engenheiros alemães, constrói-se o primeiro avião a jacto, um caça militar; desenvolve-se uma indústria petrolífera de grande porte; surgem fábricas de automóveis que, ao longo dos anos, atingem o número de dez; fabrica-se o primeiro computador da Iberoamérica; domina-se a tecnologia nuclear; produzem-se navios, locomotivas e maquinária sofisticada. 


 
A Argentina de hoje está em pantanas. A indústria, em sua maior parte, esfumou-se – ou foi substituída pela brasileira, a única no mundo a contar com mercado cativo. A Argentina dos europeus que para cá se dirigiam a fazer a América apresenta neste momento 50% de pobres, grande parte indigentes. Para tornar-se rica e desenvolvida a Argentina olhava para a Europa e para a América do Norte – ali dirigia-se a buscar inspiração, exemplo, companhia e negócios. Hoje, pobre, a ostentar o título de única sociedade que transitou do desenvolvimento ao subdesenvolvimento, o país estupidamente contenta-se em buscar o seu role model no Brasil de analfabetos lulas e guerrilheiras diumas, grande musseque anárquico, paraíso da especulação financeira e das negociatas. Tendo sido objecto de investigações académicas pela rapidez e qualidade de seu processo de desenvolvimento, o país dos Argentinos voltou a sê-lo, desta vez pela rapidez e qualidade do seu processo de subdesenvolvimento.


 
Esta é a dupla excepcionalidade argentina.


 
Um excelente ensaio sobre o apogeu e a decadência do país do tango é justamente La Excepcionalidad Argentina, Auge y Ocaso de una Nación, por Vicente Massot, Ed. Emecé, Buenos Aires, 2004.


 
Até para a semana.
 
Marcos Pinho de Escobar