CARTEIRA DE SENHORA
DIA 61
A carteira passou as
férias de Páscoa numa ânsia tal que já ninguém lhe queria pegar. Quis por força
voltar às redes sociais porque ficou entusiasmada com a introdução e quer ter
mais dados sobre o assunto, não vá de repente decidir mergulhar na onda virtual.
Tenho de lhe explicar
que é como se estivéssemos numa sala imensa, cheia de gente, mais conhecida,
menos conhecida, assim-assim ou até desconhecida, mas onde cada um pensa que
está numa salinha de ambiente intimista em amena cavaqueira apenas com uns
poucos.
O Facebook, para além daqueles deslizes
típicos de um americano a tentar falar português, confundindo a torto e a direito
o género e a conjugação verbal, parece que está a querer aderir ao desacordo
ortográfico. Podemos por isso encontrar expressões como “registo de atividade”,
“localização atual” e “atualizar informação”. Vou ter mesmo de tomar medidas
extremas e explicar aos senhores que no meu mural, tal como em casa, não admito
desacordos nem ortografias delirantes.
Para que se escreva
qualquer coisa naquilo a que chamam mural, o Facebook ataca-nos com a já célebre pergunta: Em que é que estás a
pensar? Trata-nos por tu, o insolente. A fazer-se de íntimo para ver se lhe
abrimos o coração. A certa altura já ninguém lê a pergunta, nem se lembra que
lá está e vai directa ao assunto do momento.
Aqui há tempos, em Dezembro
do ano passado, mais precisamente, apostou na inovação e alternava quatro perguntas,
incluindo sempre o nosso nome para personalizar a coisa, procurando dialogar
connosco e tornar a conversa ainda mais íntima: Como te sentes, Leonor? Como
está tudo? Como estás? O que está a acontecer?
Não sei o que se
passou noutros países, mas em Portugal a troça foi tanta, a inovação foi tão
enxovalhada que rapidamente desapareceu a tentativa de conversa e endireitaram
caminho com a pergunta inicial.
Para além de permitir
fotografias e vídeos, aparece também a opção “eventos da vida”, uma espécie de
lista prévia de produtos à sua escolha. Dirigida especialmente aos preguiçosos,
prevê acontecimentos tão importantes da nossa vida como a publicação de um
livro, um animal de estimação novo, ossos partidos, deixar um vício, fazer uma
tatuagem, o primeiro beijo ou a primeira palavra (esta se levada à letra punha
bebés na rede social…), o fim de uma relação e passar a usar óculos. Tudo
coisas que interessam imensíssimo. Só descobri esta opção outro dia mas nunca
vi ninguém a usá-la, o que é bom sinal. Dispensam frases pré-cozinhadas. Ainda pensam,
divulgam apenas o que querem e usam as suas próprias palavras.
Desde que se faculte a
data de nascimento, uma das novidades das redes sociais foi de repente termos
um dia de anos cheio de parabéns de todas as cores e feitios. De meia dúzia de
pessoas que sabiam de cor ou tinham anotado a data, passámos a uma grande festa
de anos. Não tenho ouvido queixas. E os nossos amigos continuam a
telefonar-nos.
Contudo, há quem não
indique qualquer data de nascimento ou quem a dê incompleta. O dia e o mês,
ainda vá, mas lá o ano… Um dia, quando ainda tinha poucos amigos no Facebook, e por ter destas curiosidades insanas,
resolvi estudar profundamente o assunto e separei por sexo todos os que não
diziam o ano de nascimento. Depois da trabalheira tive o castigo merecido.
Afinal esta é uma faceta comum a homens e mulheres e as variadas razões de
assim proceder também o serão.
Pode ser que a
carteira me dê folga destas análises virtuais por uns tempos. Começam a parecer
as obras de Santa Engrácia.
Leonor Martins de Carvalho
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