sexta-feira, 19 de abril de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 63

Deixei a carteira em casa, não de castigo embora ela possa pensar que sim, mas porque nem sempre dá jeito levar para o estrangeiro uma carteira que fala demais. Para isso estou cá eu e dispenso concorrentes.

Quando estamos longe, as ilusões tecnológicas mentem piedosamente. Dão a sensação de que os nossos estão ali mesmo à mão de semear e que basta combinar para nos encontrarmos no café da esquina depois do almoço. Na verdade até basta. Afinal de permeio apenas nos separam umas tantas horas e uns quantos transportes de todos os formatos e cores, incluindo taxistas manhosos. 

Não sou caso único de certeza: comigo as saudades têm sempre encontro marcado, mas estranhamente deixam em aberto o local exacto e a data. Gostam de me surpreender. É verdade que sempre que chegamos a um sítio ainda desconhecido, o deslumbramento toma conta de nós, do nosso primeiro olhar, da descoberta dos cheiros e sabores, dos recantos, da curiosidade sobre os outros. Andamos tontos da novidade, bêbados do achado. Mas ao fim de certo tempo, quando são territórios já desbravados e se Portugal está bem, quero voltar, sem hesitações. Quando está mal, já dei por mim a imaginar uma vida fora. O onde não teria grande importância. A capacidade de adaptação é-nos intrínseca e é o que nos tem valido.

É engraçado ou até ternurento que todos os meus amigos europeus me perguntem delicadamente como vai a vida em Portugal. Calculo que não queiram que não responda ou que a resposta seja um simples ça va. Conhecendo-me, sabem que obtêm uma resposta sincera. Não tenho vocação para diplomata.

Sem notícias daí e do Mundo há três dias, porque quis mesmo desligar, espero que ainda haja um Portugal para onde voltar. Seria sonhar alto regressar e de repente dar de caras com o Portugal que há tanto espero, mas pelo menos resiste há quase novecentos anos apesar de tudo o que tem passado. Já não é mau e amamo-lo na mesma.

Chegou a hora do encontro marcado com as saudades. São imensas, ocupam muito espaço. Ainda bem que volto amanhã.

Leonor Martins de Carvalho