sexta-feira, 3 de maio de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 65
 
Como não era exactamente para fora, trouxe a carteira, sem apelo nem agravo. Nem quis dar ouvidos às reclamações constantes pelo caminho. Tive de parar a meio e enfiá-la junto com o resto da bagagem, bem longe do meu alcance auditivo. Pediu explicações para esta deslocação extemporânea. Tê-las-á à chegada.
 
Quando tinha uma dúzia de anos e os meus irmãos pouco menos, a nossa mãe decidiu levar-nos a conhecer mais das nossas raízes. Num caso era mais reencontrar, pois tinha feito parte da nossa infância (Cinfães do Douro. Não há outro mas gosto assim) e noutro, foi a aventura do Minho e da Galiza. Nunca mais esquecemos. Ajudou-nos a recriar laços, a fortalecer o sentimento de pertença, neste caso alargado a uma parte que é quase como nossa. 
 
Resolvi manter a tradição com a minha filha. Quando era mais pequena mostrei-lhe a praia onde passei férias durante muitos anos e toda a região circundante, que conhecia bem por causa dos passeios que os longos Verões proporcionavam. Agora, trouxe-a bem mais a norte, e voltei a Cinfães. Não é nada estranho o quão em casa me sinto. Ainda guardo memórias e crio outras.
 
Sejam todas do mesmo sítio, de vários ou de um local novo, é impossível dispensar as raízes. Não é coisa que se possa deitar fora sem consequências. Graves.
 
Reconhecemos os desenraizados quando vemos aqueles a quem pouco lhes importa se vai abaixo uma parte da vila ou da aldeia, ganhem ou não com isso. Sem saberem que perdem sempre.
 
Alguém desenraizado não consegue apegar-se, não consegue sentir a terra como sua. Não tendo passado, não pode ter futuro.
 
Saber de onde se vem, ter-se orgulho disso, manter e regar as raízes, deve ser-nos inerente. Algo nos liga à terra. E são essas raízes, cada uma delas, que nos fazem amar Portugal. 
 
Sem raiz não sobrevive a planta. Sem gente com raízes não sobrevive um país. Sem amor às raízes, quem o defenderá? 
 
Leonor Martins de Carvalho