sexta-feira, 10 de maio de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 66
Anda a carteira preocupada com o que se passa no país da proprietária, mais o que se passa na vizinhança do país da proprietária e acrescenta ainda às suas preocupações o que se passa nos antípodas do país da proprietária. Se ela soubesse as muitas dezenas de anos de preocupação que já lá vão e as que ainda hão-de vir, acho que desistia e voltava ao país das carteiras…
Como possibilidade terapêutica lembrou-me que as lições sobre as redes sociais ainda não estavam completas. E que um curso destes não pode ser feito recorrendo a equivalências nem aos domingos. Vamos então a um outro capítulo: os grupos.
Comprova-se a réplica da sociedade real na virtual, mas os grupos virtuais de todos os tipos e para todos os gostos têm uma enorme diferença dos grupos do dia-a-dia. É que as pessoas participam muito mais virtualmente do que nas suas comunidades locais. Uma pena. Mas pode ser que esse seja um passo para, mais tarde ou mais cedo, se levantarem do sofá.
Aqueles aspectos negativos irritantes da vida em sociedade de que muitas vezes fugimos a sete pés encontram-se aqui em todo o seu esplendor. A princípio mitigados, por causa da cerimónia inicial, depressa nos apercebemos, especialmente nos grupos políticos, das quezílias entre os egos dos administradores e os egos dos participantes, ou destes entre si. É ver depois saírem pessoas para formar novo grupo, acontecer o mesmo e assim sucessivamente, até existirem dezenas de grupos com o mesmo tema, porque afinal, cada um quer o seu. Usam batotas informáticas para terem mais membros e nem é preciso lupa para perceber que essas dezenas de grupos têm no fundo sempre as mesmas pessoas, alegremente sentadas no cavalinho do carrossel.
O mais hilariante nos grupos é assistir a conversas entre vários perfis falsos e os seus homólogos verdadeiros, pertencendo o prémio Nobel às discussões entre vários perfis falsos, verdadeiros heterónimos, de uma mesma pessoa.
Como sabem, os grupos podem ser abertos (totalmente à disposição do universo), fechados (clubes privados mas ali à esquina) ou secretos (clubes exclusivos com entrada por bola branca).
Os grupos secretos servem normalmente fins políticos, estudantis ou para reunir a família, nestes tempos em que estão muitos distantes. Neste caso até dá para combinar o Natal e é uma óptima forma de mostrar fotografias antigas aos mais novos e de lhes dar a conhecer a história da família.
Há grupos temáticos que são universais, como os das músicas, os religiosos e os culinários, bem como os de carácter mais ou menos cultural.
Não sei bem o que se passa nos outros países, mas em Portugal abundam os grupos políticos: os monárquicos lutando por um lugar ao sol neste regime sufocante, os da sociedade civil a querer organizar-se sem saber bem como, os que se juntam para a defesa de valores como a língua portuguesa ou o património, natural ou edificado.
Outros grupos que penso serem muito característicos de Portugal são os dedicados às terras, desde o nível da freguesia, passando pelos concelhos (distritos, menos) até à Província, incluindo as antigas províncias ultramarinas. Coexistem com a outra variedade possível de divulgação, que é a página, mas esta permite menos interacção e os portugueses gostam é do social.
Muitos dos membros desses grupos até já lá não vivem, são emigrantes ou migrantes para as urbes. Matam assim saudades, põem fotografias, contam histórias, relembram personagens, revêem amigos de infância…
São estes os grupos pelos quais sinto mais carinho. Provam o amor às raízes que abordei na crónica anterior. Dão esperança de que os laços criados e recriados possam ser suficientemente fortes para continuarem a defender o que é seu.
Leonor Martins de Carvalho