sexta-feira, 17 de maio de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 67
A carteira encontrou uma causa só dela e anda atarefadíssima a tecer estratégias e a organizar as suas congéneres. Pediu-me segredo e assim não vai ser por mim que saberão.
Sou combatente visceral, quase genética, no que se refere a causas. Podem até alguns apelidá-las de perdidas. Não desisto facilmente e não gosto de perder, mas aceito, desde que tenha a consciência cheia de provas de que tentei. 
Em Portugal há um extenso menu de variadas causas à espera que os portugueses as tomem como suas: políticas (mudança de regime, de sistema, de governo, contra ministros e decisões), sociais (apoio a crianças, velhinhos, sem-abrigo, doentes, pobres), culturais (defesa da língua, do património, de tradições), ambientais (defesa da paisagem, dos animais, das sementes). Não falta uma causa literalmente em cada esquina, nem que seja para defender a casa ou o jardim que querem destruir.
Com excepção das causas sociais, as mais prementes, em que os portugueses são normalmente extraordinários e discretos, olhando à minha volta, para a família, amigos próximos e colegas, a atitude de alguns normalmente desalenta-me. Mais ainda porque os tenho como conscientes de situações pelas quais poderiam dar a cara e ajudar. Faço logo a extrapolação para o resto da população portuguesa e fico a pensar que realmente muitos portugueses são indiferentes. Refilam para o colega do lado, barafustam no café ou no autocarro, e depois vão à sua vidinha. Há quem fique satisfeito com um apoio a um texto nas redes sociais. Descansa-lhes a consciência. 
Por isso também na nossa História recente a guerra tem tido um vencedor à partida: o facto consumado.
É verdade que ninguém sabe bem o que é afinal preciso fazer. Cada vez menos pessoas acreditam no sistema, nos políticos, na justiça, duvidam de petições e acções semelhantes, acham que tudo o que fizerem cai em saco-roto e preferem nem perder tempo. 
O pior é que provavelmente têm razão. O sistema está assim montado, controlado e parece que tudo é inatingível, por mais aberrante que seja o caso. 
Também não sei o que fazer na maioria das vezes. Espero, como outros esperam, que haja alguém entendido no assunto e saiba exactamente o que tem de ser feito e como. Não precisa de ser líder, mas que tenha o conhecimento necessário e possa ajudar na elaboração de uma estratégia. 
Depois, vem outra etapa dura. Convencer os outros, os indignados mas indiferentes. Os que refilam por aí mas se encolhem na altura certa. Convencê-los de que vale a pena. De que estar de braços caídos é uma figura non grata. Para fazer com que os portugueses descalcem os chinelos e iniciem a descolagem são precisos objectivos bem definidos e pessoas que se mexam e façam mexer os outros. Que conheçam a ignição do foguetão para que até o sofá saia de casa, se for preciso.
Tenho tido a sorte de encontrar algumas pessoas assim, às vezes inesperadamente, e a minha fé na capacidade dos portugueses renasce em cada um desses encontros.
Leonor Martins de Carvalho