CARTEIRA DE SENHORA
DIA 68
Introduzi a mão na carteira. Delicadamente a princípio, em frenesim logo depois, porque não surgia nenhum dos célebres papelinhos semanais com as ordens inquebrantáveis da cronista. Abanei-a, virei-a ao contrário e nada.
Pronto. Sequei. Tinha de ser, um dia. Não, não estou a falar da síndrome da página em branco. Sou mulher prevenida e tenho um texto meio preparado para o efeito desde a nona crónica, quando, em total desânimo, achei que tinha esgotado o meu quotidiano logo ali.
Estou antes a referir-me àqueles amargos de boca que nos fazem exclamar em desespero: “Já nem sei o que diga…”
A Europa exauriu-nos. O país seca-nos. Até as palavras se recusam a ser escritas ou ditas.
Nem é por causa de um assunto em particular. É mesmo por causa de todos. Não parece haver situação que não nos ponha tristes, revoltados e angustiados.
Querem carimbar-nos como doidos quando são outros quem vive no manicómio.
Tornámo-nos numa ilha rodeada por todos os lados de desnorteio, insânia, cupidez, despudor e vilanagem. Será que só nos resta esperar que chegue o fim? Ou fabricamos rapidamente uma jangada?
Não estamos verdadeiramente condenados. Impuseram-nos uma pena mas temos sempre direito a recurso. Atravessar o mar de imundície e despoluí-lo. Contrapondo valores a desvalores, indignação a indiferença, impedindo assim que reine o desvario e voltemos a ser terra firme. Soberana.
Leonor Martins de Carvalho
Introduzi a mão na carteira. Delicadamente a princípio, em frenesim logo depois, porque não surgia nenhum dos célebres papelinhos semanais com as ordens inquebrantáveis da cronista. Abanei-a, virei-a ao contrário e nada.
Pronto. Sequei. Tinha de ser, um dia. Não, não estou a falar da síndrome da página em branco. Sou mulher prevenida e tenho um texto meio preparado para o efeito desde a nona crónica, quando, em total desânimo, achei que tinha esgotado o meu quotidiano logo ali.
Estou antes a referir-me àqueles amargos de boca que nos fazem exclamar em desespero: “Já nem sei o que diga…”
A Europa exauriu-nos. O país seca-nos. Até as palavras se recusam a ser escritas ou ditas.
Nem é por causa de um assunto em particular. É mesmo por causa de todos. Não parece haver situação que não nos ponha tristes, revoltados e angustiados.
Querem carimbar-nos como doidos quando são outros quem vive no manicómio.
Tornámo-nos numa ilha rodeada por todos os lados de desnorteio, insânia, cupidez, despudor e vilanagem. Será que só nos resta esperar que chegue o fim? Ou fabricamos rapidamente uma jangada?
Não estamos verdadeiramente condenados. Impuseram-nos uma pena mas temos sempre direito a recurso. Atravessar o mar de imundície e despoluí-lo. Contrapondo valores a desvalores, indignação a indiferença, impedindo assim que reine o desvario e voltemos a ser terra firme. Soberana.
Leonor Martins de Carvalho
<< Home