sexta-feira, 31 de maio de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 69
Voltou a calar-se, a carteira. Continua tristonha e ensimesmada.
Hoje em dia soi dizer-se bastas vezes que há alturas em que relativizamos. Geralmente ouve-se a expressão aquando de reportagens, documentários ou notícias de situações muito tristes, catástrofes, fomes ou doenças. 
Usada apenas para problemas, nunca para soluções, querem afinal dizer que os grandes males de outros têm a capacidade de reduzir os nossos ao tamanho de um átomo. Isso até é bom. Incentiva à ajuda e ouvimos menos queixumes à nossa volta.
Não sei quanto tempo dura essa consciência relativista numa pessoa com uma consciência considerada mediana. Durará com certeza mais tempo quando essas situações são em Portugal, ainda mais se na mesma cidade, mais ainda se na mesma vila ou aldeia. Nestes tempos de crise acontece cada vez mais. 
Mas ao mesmo tempo, esse relativizar, essa percepção, parece inversamente proporcional à distância que nos separa do acontecimento. Quanto mais de perto nos toca o mal, mais o relativo é engolido pelo absoluto. 
Então quando o ataque é aos nossos, já quase só temos um pensamento a ocupar o cérebro. Tornamo-nos egocêntricos. Aí relativizamos o resto do mundo. Nada mais nos importa, nessa altura. O sofrimento ou a aflição ocuparam selvaticamente o espaço mental e nele instituíram uma ditadura. Entra em acção o instinto de sobrevivência. 
Também nessas alturas pode ser preciso voltar a relativizar. Tentar não esquecer o resto. Dar atenção àqueles e àquilo que nos rodeia. 
Por outro lado, esse acordar da consciência também ocorre quando no campo olhamos para o céu estrelado e de repente entendemos. Ou para a imensidão do mar quando navegamos. Ou ao espreitar através do microscópio. O infinitamente grande e o infinitamente pequeno que nos esmagam e fascinam. 
É assim que contemplamos a beleza da mão de Deus e nela confiamos. 
Leonor Martins de Carvalho