sexta-feira, 19 de julho de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 76
Regressada a carteira do seu exílio irrevogável, chegámos a consenso quanto ao tema de hoje. Volta a ser o acordo ortográfico de pés de barro, ou mais propriamente, a propósito dele e do anúncio de que uma petição pela desvinculação de Portugal ao tal desacordo vai a plenário no Parlamento, mais mês, menos mês.
As causas que conseguem reunir gente de todo o lado, gente que provavelmente só tem entre si esse ponto de contacto, como as causas ligadas à defesa do património (e a língua também o é), provam que nós, os do lado de cá, ainda sabemos pensar a longo prazo e no interesse nacional. Verifica-se que os do lado de lá não sabem o que é isso. Nem lhes interessa esse interesse. Não estão lá para isso. Se estivessem, sabiam ouvir.
É nestas causas transversais que mais se nota a distância entre as pessoas e os seus supostos representantes. Sejam eles quem forem. Confirma-se que há uma crise de representação. Não é só cá, não é só de agora, mas é a de cá e a de agora que me interessa. 
Voltando ao tema, dos mais de trezentos que se sentam naquelas bancadas, não chegaram aos dedos de uma mão os bravos que resistiram à “coisa” em 2008. 
E depois de uma petição que, em 2009, já tinha mais de 113000 assinaturas (vai mesmo assim para perceberem bem a dimensão) não houve uma mente daquele sítio que se pusesse a pensar se realmente a decisão teria sido correcta ou se estaria até a trair os seus eleitores? É o partido, não é? Os interesses do partido. Pois. Os interesses da Nação é que parece que não são para ali chamados.
Agora, e antes de qualquer deliberação, convidava os senhores decisores a um simples exercício: um ditado. Criado em vossa honra e para ser escrito à mão, claro, sem ajuda dos “corretores”, que por sinal até andam enganados. E para cada palavra do ditado em que se permitam as famosas facultatividades de grafia, teriam ainda de as indicar todas.
Vão poder ter assim o privilégio de mergulhar no mundo maravilhoso das tão glorificadas irmãs, a simplificação e a unificação. E conhecer a tortura e desaprendizagem a que estão a sujeitar as crianças.
Se até à discussão da petição, for entretanto a Assembleia dissolvida e aquela acabe no fundo de uma gaveta, que aí haja ainda um punhado de bravos de uma ponta à outra que retomem a iniciativa das tantas vezes tentadas petições.
A esperança é a de que finalmente acordem, reconheçam que foram enganados por alguns e passem não só a ouvir e sentir os portugueses, como, principalmente, reaprendam a amar como eles a vossa língua e até as suas variantes, que tanto a enriquecem e são testemunho da nossa passagem pelo Mundo. Penso que só têm a ganhar com isso. No mínimo um pouco mais de respeito. 
É o último grão de soberania que nos resta, a língua. Uma machadada mais e deixamos de Ser.
Leonor Martins de Carvalho