CARTEIRA DE SENHORA
DIA 78
Disse-me a carteira, em confidência, que aprecia muito este mês de estiagem e de preguiça.
Confessei-lhe, em troca, que o manso Setembro me agrada mais, mas no fundo as saudades abrangem os longos meses de férias da infância, onde cabe Agosto por direito e inteirinho.
Por acaso é dos meses cujo plural é feio. Não na sua ortografia, porque mantém o redondo no acrescento do s e até ganha equilíbrio, mas na pronúncia. Deve ser por isso que se hesita quando se diz Agostos, à procura de beleza. Outro mês assim é Abril. A experiência auditiva de Abris remete de imediato à esganiçada da Castafiore das aventuras do Tintin.
À semelhança de todos os outros meses, há Agostos para todos os gostos e podem decorrer a gosto ou a contragosto, mas só ele nos deixa brincar assim, com o próprio nome.
Começando pelo lado tenebroso do mês, tememos o Agosto das não notícias, o das festas políticas a pensar nas eleições, o dos incêndios e o da letra minúscula no acordo ortográfico.
Depois temos os outros, os nossos.
O Agosto da cidade, deserta, serena, quase vila, finalmente respirável e apetecível, incitando a renovadas promessas de visitas com olhar de turista raramente cumpridas.
O Agosto do campo, do calor apertado, impossível, do refúgio no fresco das casas ou nas generosas sombras de árvores e latadas, dos banhos nos tanques ou de mangueira, das festas de aldeia com procissão, foguetório e bailarico, das noites longas de conversas lentas ao relento, debaixo do verdadeiro céu, o das estrelas, que a cidade desconhece.
O Agosto da praia, das memórias perdidas, do jogar ao prego, do dormir a sesta, dos banhos sem fim, das bolas de Berlim, da bolacha americana, dos Robertos, do gostinho saboroso a liberdade, das primeiras paixonetas e das vias tortuosas mas infantis para chegar ao pé do nosso idílio, do sair à noite, dos encontros das famílias nos cafés, dos passeios à beira-mar em inesquecíveis fins de tarde de despedidas ao Sol.
Agosto das memórias ou Agosto hoje, afinal é o mês, para além de Dezembro, a que associamos a maior parte das nossas recordações. Assim nos deixem!
Leonor Martins de Carvalho
Disse-me a carteira, em confidência, que aprecia muito este mês de estiagem e de preguiça.
Confessei-lhe, em troca, que o manso Setembro me agrada mais, mas no fundo as saudades abrangem os longos meses de férias da infância, onde cabe Agosto por direito e inteirinho.
Por acaso é dos meses cujo plural é feio. Não na sua ortografia, porque mantém o redondo no acrescento do s e até ganha equilíbrio, mas na pronúncia. Deve ser por isso que se hesita quando se diz Agostos, à procura de beleza. Outro mês assim é Abril. A experiência auditiva de Abris remete de imediato à esganiçada da Castafiore das aventuras do Tintin.
À semelhança de todos os outros meses, há Agostos para todos os gostos e podem decorrer a gosto ou a contragosto, mas só ele nos deixa brincar assim, com o próprio nome.
Começando pelo lado tenebroso do mês, tememos o Agosto das não notícias, o das festas políticas a pensar nas eleições, o dos incêndios e o da letra minúscula no acordo ortográfico.
Depois temos os outros, os nossos.
O Agosto da cidade, deserta, serena, quase vila, finalmente respirável e apetecível, incitando a renovadas promessas de visitas com olhar de turista raramente cumpridas.
O Agosto do campo, do calor apertado, impossível, do refúgio no fresco das casas ou nas generosas sombras de árvores e latadas, dos banhos nos tanques ou de mangueira, das festas de aldeia com procissão, foguetório e bailarico, das noites longas de conversas lentas ao relento, debaixo do verdadeiro céu, o das estrelas, que a cidade desconhece.
O Agosto da praia, das memórias perdidas, do jogar ao prego, do dormir a sesta, dos banhos sem fim, das bolas de Berlim, da bolacha americana, dos Robertos, do gostinho saboroso a liberdade, das primeiras paixonetas e das vias tortuosas mas infantis para chegar ao pé do nosso idílio, do sair à noite, dos encontros das famílias nos cafés, dos passeios à beira-mar em inesquecíveis fins de tarde de despedidas ao Sol.
Agosto das memórias ou Agosto hoje, afinal é o mês, para além de Dezembro, a que associamos a maior parte das nossas recordações. Assim nos deixem!
Leonor Martins de Carvalho
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