segunda-feira, 16 de setembro de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (34)

Num 16 de Setembro, há cinquenta e oito anos, um golpe militar derrocava Juan Domingo Perón na metade do seu segundo mandato. Governava havia dois lustros e alterara a face da Argentina. Permanece uma personagem que incita amor incondicional ou ódio visceral: para a direita era de esquerda, um insuportável socialista; para a esquerda era de direita, um perigoso nazi-fascista. Para milhões de argentinos foi o “Gran Conductor”. Recebeu uma Argentina rica, tornada ainda mais rica com o fornecimento de carne e trigo aos beligerantes da II Guerra. Pretendeu transformar um país agrícola e livre-cambista em um país industrial, tendente à autarquia. Bateu forte na galinha dos ovos de ouro – os “estancieiros”, os grandes latifundiários produtores agro-pecuários e criadores da riqueza nacional. Com os recursos extraídos destes deu início a uma maciça industrialização, enquanto distribuía benefícios sem conta aos trabalhadores. Criou um sector sindical de vastíssimas proporções com um protagonismo político e económico sem igual. Instituiu um governo de forte autoridade – para muitos uma ditadura – com traços de culto à personalidade e que não permitia grandes espaços à oposição. Rejeitava simultaneamente o capitalismo e o comunismo, os imperialismos plutocrático e marxista. Apostava numa terceira via: a sua doutrina, o “justicialismo” – consubstanciada na "soberania política", na "independência económica" e na "justiça social". Um rígido e burocrático controlo económico criou vastas oportunidades para a corrupção. Muitos estão convencidos de que neste receituário encontram-se várias das razões que explicam o declínio daquele que chegou a ser, por alturas da Guerra de 1914-1918, um dos países mais ricos do planeta. No dia 16 de setembro de 1955 dispunha dos meios de força para manter-se no poder mas optou por não oferecer resistência (três meses antes outra rebelião militar havia deixado um saldo de mais de trezentos mortos na emblemática “Plaza de Mayo”). Viveu dezoito anos no exílio, treze dos quais na Madrid franquista. Enquanto na Argentina o governo militar procurava eliminar tudo o que recordasse o líder deposto, chegando mesmo a proibir que o seu nome fosse pronunciado ou escrito, Perón, desde o exílio, demonstrava sobejamente um poder e um carisma absolutamente extraordinários. Conseguiu negar tranquilidade a qualquer governo constituído contra Perón ou sem Perón. Obteve o reconhecimento de todas as facções ideológicas de que para chagar às massas o caminho obrigatório era Perón. Reuniu sob o seu mando forças antagónicas, da esquerda marxista à direita fascizante. Manipulou todos os grupos com extraordinária mestria, fazendo com que cada facção julgasse representar o autêntico pensamento do estadista exilado.  Inabalável na estratégia, foi flexibilíssimo na táctica. Utilizou cada grupo para um fim específico, de acordo com determinado momento histórico ou janela de oportunidade. Por exemplo, incentivou as acções armadas de grupos clandestinos marxistas para pressionar os governos militares. Por fim logrou atingir o que almejava: regressou definitivamente à Argentina e foi eleito presidente pela terceira vez. Teve de enfrentar a rebeldia da organização terrorista “Montoneros”, a qual havia incentivado, mas que nas novas circunstâncias deveria ser desmobilizada e disciplinada. Para tanto diz-se que resolveu usar uma força igual mas de sinal contrário – um grupo armado da ala direita, fascizante. Foi a guerra intra-peronista. Morreu a 1 de Julho de 1974, nove meses após ter iniciado o seu terceiro mandato presidencial. A violência política prosseguiu na sua senda de horror e as vítimas do terrorismo e da guerrilha caíam diariamente. Agreguemos a isto a proverbial incompetência de sua terceira esposa e sucessora – sob a influência de um “bruxo” esotérico armado em conselheiro e ministro todo-poderoso – e uma forte crise económica. A população e os políticos clamavam pelo fim da bandalheira. As condições para a intervenção militar estavam dadas. E esta tem lugar a 24 de março de 1976.
Até para a semana.
Marcos Pinho de Escobar