segunda-feira, 28 de outubro de 2013

CADERNOS INTERATLÂNTICOS (40)

A decadência dos povos é fenómeno que tem tanto de triste como de misterioso. País que apresenta uma dupla excepcionalidad realmente assombrosa - a de ter saltado da riqueza à pobreza no mesmo curto espaço de tempo no qual havia entabulado o caminho inverso -, a Argentina continua a dar provas de uma autêntica sanha auto-destruidora. Chego mesmo a perguntar-me se ela ainda existe ou se já é apenas uma ideia repetida à exaustão, um exercício de prestidigitação, uma ficção. Antigo celeiro planetário, solo e clima naturalmente magníficos para a agro-pecuária, o país nos seus tempos áureos contava com um rebanho bovino de 70 milhões de cabeças. Em meados da década de sessenta o stock vê-se reduzido a 50 milhões; nos trinta anos seguintes apresenta um crescimento ridiculamente anémico, atingindo 57 milhões em 2006. Desde então a redução do stock tem sido uma constante: em 2012 registou 51,7 milhões de bovinos. A agressividade kirchnerista contra o campo, demagógica e estúpida em doses verdadeiramente cavalares, explica boa parte mas não todo o problema - proibição de exportações de carne, tributação confiscatória nas operações cerealíferas, controlos discricionários e draconianos, desinsentivos de toda ordem, até mesmo ameaças de violência ao bom estilo gangster. Terra privilegiada de carne, trigo e leite, a Argentina - pasmem! – encontra-se actualmente a importar carne, trigo e leite. E todos os frigoríficos já estão em mãos estrangeiras. Tudo em nome do povo, dos pobres, contra a exclusão, como agora fica bem dizer. A demagogia e a corrupção do sistema democrático não deixam de surpreender: enchem a boca a falar nos pobres e cada vez há mais deles, enquanto brotam, tal geração espontânea, as fortunas bilionárias dos pulhíticos e respectivas clientelas. Mais uns numeritos esclarecedores: há 35 anos os 10% mais ricos ganhavam 8 vezes mais do que os 10% mais pobres. Hoje, depois de tanta democracia, esta tal democracia com a qual, na expressão do finado presidente Alfonsín, "come-se, educa-se, cura-se", os 10% mais ricos abocanham um pedacito 35 vezes maior do que recebem os 10% mais pobres. Mas há grandes conquistas: vastos bairros de lata, imensas legiões de desocupados, exércitos de esfomeados a vasculhar os contentores de lixo em busca de restos para aguentar um dia a mais. Tudo isto na terra da carne, do trigo, do leite. Uma escandaleira.
 
Marcos Pinho de Escobar