CADERNOS INTERATLÂNTICOS (42)
Não sei se existe em Portugal alguma referência a José Christiano de Freitas Henriques Júnior, fotógrafo pioneiro do século XIX. Nascido nos Açores em 1832, vai viver para o Brasil em 1855 e, onze anos mais tarde, transfere-se ao Uruguay. De lá cruza o rio da Prata e estabelece-se definitivamente na capital argentina - um Buenos Aires ainda primitivo, vila portuária às vésperas de metamorfosear-se na Paris da América do Sul. Retratista de nomeada, o talentoso José Christiano estava na vanguarda da técnica e chegou a ser contratado como fotógrafo oficial da poderosíssima Sociedad Rural Argentina, instituição emblemática dos criadores do milagre (e da riqueza) do país, os estancieros dos rebanhos bovinos e trigais infinitos. O fotógrafo açoriano igualmente editou um álbum - considerado obra de referência - de paisagens e costumes argentinos, além de outro volume dedicado aos "tipos populares" urbanos. Fecha os olhos em 1902, aos 70 anos, deixando uma obra fundamental na história da fotografia na Argentina - e um inestimável testemunho da extraordinária transformação do país.
Por falar na Argentina, é impossível andar por estas paragens sem recordar Saint-Exupéry, Mermoz e Guillaumet, astros maiores da legendária Aeropostal. Com risco da própria vida, a testar novos aparelhos, a abrir novas rotas, a cruzar a cordilheira nevada em perigosos voos nocturnos, um trio de aventureiros de uma época na qual ainda era possível encontrar uma fina combinação de coragem, romantismo e elegância. Uma época de grandeza que não volta mais.
E também é impensável não referir Perón. Não se pode ser indiferente diante do General que transformou a Argentina para sempre - para pior ou para melhor. Não há espaço para matizes: venerado ou odiado, Juan Domingo Perón é o referencial obrigatório na vida política do país pampeano. Mestre da táctica e da estratégia, vivia para a conquista do poder, para o seu jogo e a sua arte. Conquistado o poder, entediava-se. Foi o fundador de um movimento – alguns sustentam que fundou um sentimento. Usou e abusou, consoante as necessidades de cada momento, de todas as possibilidades do espectro político, instrumentalizando actores da extrema-esquerda à extrema-direita. E cada um destes esteve absolutamente convencido de que representava, à la lettre, o pensamento do General. Hoje estou convencido que a essência do seu legado – o chamado peronismo – é apenas isso: a conquista do poder. Esvaziado de conteúdo doutrinal, despojado de princípios e valores, é um método e um estilo de construção de poder. Depois, que cada um se arranje como puder.
Até para a semana, se Deus quiser.
Marcos Pinho de Escobar
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