CARTEIRA DE SENHORA
DIA 94
A carteira deleita-se com futebol. Eu também. A carteira só gosta da selecção. Eu gosto do Benfica. Não a avisei do primeiro jogo contra a Suécia porque hoje em dia nem para ver futebol a paciência chega, mas achei poder ser o segundo jogo um pretexto, à falta de melhor, para fazer coisas em conjunto sem ser a crónica, como se fossemos uma família.
Os portugueses são muito patriotas quando se trata da selecção. Mais ainda se ela ganha. Então, é ouvi-los ficar progressivamente afónicos de tanto clamar por Portugal.
São apoiantes com grandes expectativas (consentâneas com o elevado número de jogadores entre os melhores europeus), críticos acérrimos e treinadores encartados no antes, no durante e no depois. Devem ser as únicas vezes em que cantam o hino com emoção e usam a bandeira (feia, diga-se) à exaustão.
Os fãs dos vários clubes estão unidos durante os noventa minutos, embora naturalmente vibrem mais quando brilha um jogador do seu (ou que em tempos tenha sido!). Seja como for, parece haver nesses jogos, um sentir colectivo de uma espécie de Pátria.
É bonito, sim senhor, mas ser patriota é mais do que isso, não pode ser apenas torcer pela selecção de futebol, hóquei ou pingue-pongue, cantar o hino e pintar a cara com as cores da bandeira.
É algo mais, bem mais. É, por exemplo, sentir em si, estimar e defender os valores perenes da Nação. E isso, perdoem-me, vejo pouco.
Faz sentido que, num ápice, se arranjem dezenas ou centenas de milhares de assinaturas em petições muito louváveis com certeza, mas pretendem apenas equivaler as antigas licenciaturas a mestrado ou salvar um cão, enquanto outras, que cuidam de questões deveras importantes para Portugal, são quase ignoradas?
Não consigo perceber porque não estão os portugueses unidos e verdadeiramente empenhados na defesa da sua Língua contra o abominável acordo ortográfico, na defesa do património cultural e ambiental que câmaras e governos teimam em destruir, na defesa das freguesias, na defesa de tudo o que constitui a nossa identidade, o nosso mais profundo Ser.
Começo seriamente a perguntar-me se finalmente conseguiram - a televisão, a imprensa, os políticos, a Europa - transformar os portugueses em amorfos, sem carácter nem interesses que não sejam programas rascas de televisão. Uma Pátria, uma identidade forjada ao longo de tantos séculos, com tantos sacrifícios, prestes a ruir frente a um qualquer reality show ou telenovela.
Não pode ser. Acredito que em cada um de nós ainda existe, talvez em prateleira recôndita e esquecida, aquela centelha herdada dos nossos avoengos, a ligação às raízes, à História, o orgulho do Ser Português que, no momento certo, ressurgirá.
Podemos então começar por rever prioridades, pensando no futuro? Não no nosso, comezinho e quase previsível, mas no futuro desta herança que recebemos e queremos continue a existir para poder vir ainda a ser herdada.
Leonor Martins de Carvalho
A carteira deleita-se com futebol. Eu também. A carteira só gosta da selecção. Eu gosto do Benfica. Não a avisei do primeiro jogo contra a Suécia porque hoje em dia nem para ver futebol a paciência chega, mas achei poder ser o segundo jogo um pretexto, à falta de melhor, para fazer coisas em conjunto sem ser a crónica, como se fossemos uma família.
Os portugueses são muito patriotas quando se trata da selecção. Mais ainda se ela ganha. Então, é ouvi-los ficar progressivamente afónicos de tanto clamar por Portugal.
São apoiantes com grandes expectativas (consentâneas com o elevado número de jogadores entre os melhores europeus), críticos acérrimos e treinadores encartados no antes, no durante e no depois. Devem ser as únicas vezes em que cantam o hino com emoção e usam a bandeira (feia, diga-se) à exaustão.
Os fãs dos vários clubes estão unidos durante os noventa minutos, embora naturalmente vibrem mais quando brilha um jogador do seu (ou que em tempos tenha sido!). Seja como for, parece haver nesses jogos, um sentir colectivo de uma espécie de Pátria.
É bonito, sim senhor, mas ser patriota é mais do que isso, não pode ser apenas torcer pela selecção de futebol, hóquei ou pingue-pongue, cantar o hino e pintar a cara com as cores da bandeira.
É algo mais, bem mais. É, por exemplo, sentir em si, estimar e defender os valores perenes da Nação. E isso, perdoem-me, vejo pouco.
Faz sentido que, num ápice, se arranjem dezenas ou centenas de milhares de assinaturas em petições muito louváveis com certeza, mas pretendem apenas equivaler as antigas licenciaturas a mestrado ou salvar um cão, enquanto outras, que cuidam de questões deveras importantes para Portugal, são quase ignoradas?
Não consigo perceber porque não estão os portugueses unidos e verdadeiramente empenhados na defesa da sua Língua contra o abominável acordo ortográfico, na defesa do património cultural e ambiental que câmaras e governos teimam em destruir, na defesa das freguesias, na defesa de tudo o que constitui a nossa identidade, o nosso mais profundo Ser.
Começo seriamente a perguntar-me se finalmente conseguiram - a televisão, a imprensa, os políticos, a Europa - transformar os portugueses em amorfos, sem carácter nem interesses que não sejam programas rascas de televisão. Uma Pátria, uma identidade forjada ao longo de tantos séculos, com tantos sacrifícios, prestes a ruir frente a um qualquer reality show ou telenovela.
Não pode ser. Acredito que em cada um de nós ainda existe, talvez em prateleira recôndita e esquecida, aquela centelha herdada dos nossos avoengos, a ligação às raízes, à História, o orgulho do Ser Português que, no momento certo, ressurgirá.
Podemos então começar por rever prioridades, pensando no futuro? Não no nosso, comezinho e quase previsível, mas no futuro desta herança que recebemos e queremos continue a existir para poder vir ainda a ser herdada.
Leonor Martins de Carvalho
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