sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CARTEIRA DE SENHORA

DIA 96

Às vezes, a carteira e eu parecemos duas velhas rezingonas, de mal com a vida e com o mundo, mesmo quando vislumbramos e damos a conhecer uma réstia de esperança.

Também não é preciso viver, ou fingir viver, em constante paródia. São demasiados os assuntos graves obrigatoriamente merecedores da nossa atenção, em que nos temos de empenhar com seriedade. 

E há momentos na vida de um país que nos roubam as razões para sorrir. Há alturas nas nossas vidas verdadeiras assassinas das razões para sorrir.

Contudo, elas existem. Sempre. Muitas têm a ver com crianças ou velhos. É a ternura que nos faz sorrir. Ou o inesperado. Ou as memórias.

Sorrimos, quando os nossos filhos ou netos inventam diálogos entre as figuras do presépio, se no meio da doença a avó ainda consegue fazer caretas, com as tontices e habilidades dos nossos animais, pelo desplante do casal de velhotes especialista em técnicas simples mas eficazes para furar sorrateiramente filas, ao observar quatro pré-adolescentes num restaurante, lendo a ementa com o ar mais sério do mundo em perfeita imitação dos adultos, com o animado almoço mensal das amigas reformadas, faladeiras e empinocadas, se um pardal poisa na nossa varanda, quando os cheiros nos transportam à infância, ao descobrir rosas de Santa Teresinha num jardim do bairro, à surpresa das mil cores do Outono estampadas no plátano ao virar da esquina, pela entrega de olhares do casal de namorados, quando sentimos o sol de Inverno em carícias de Primavera.

Depois há o sorrir porque sim. Porque faz sorrir os outros e gostamos de sorrisos. 

Não custa sorrir. Não cria dívida, não paga juros. Sai-nos da alma. Por isso nos aquece.

Leonor Martins de Carvalho