sexta-feira, 26 de abril de 2019

O ANUNCIADO TRIUNFO DO SENSO COMUM

 
A vizinha Espanha vai a votos no próximo domingo num cenário particularmente interessante para quantos se interessam pela análise das alterações políticas que, um pouco por toda a Europa, vão liquidando sistemas estruturados em partidos políticos velhos de décadas, mergulhados em casos de corrupção e já difíceis de distinguir entre si, sem um rasgo ou imaginação para propor algo de novo e que responda às questões que realmente preocupam os cidadãos, primeiros responsáveis por níveis de abstenção cada vez mais significativos.

No passado mês de Março, o politólogo e especialista em estudos de opinião e sondagens Jerôme Sainte-Marie levava às páginas do francês Le Figaro um artigo intitulado «La droite gagne les élections quand elle s'affirme, pas quand elle s'excuse». Nada de especialmente novo ou revolucionário mas, de igual modo, algo que as direitas - as ibéricas em especial - frequentemente parecem esquecer na hora de encarar eleições, (sobre)vivendo cobertas de complexos de esquerda e empenhadas em não desagradar à opinião que se publica - coisa bem diferente da opinião pública - e às manas Mortágua.

É nesse exacto quadro que as eleições espanholas do próximo dia 28 de Abril assumem uma novidade interessante: depois de um primeiro êxito nas eleições andaluzas que permitiu viabilizar um governo que expulsou os socialistas da má gestão dos dinheiros públicos e de um clientelismo e corrupção em níveis pornográficos, o VOX, liderado por Santiago Abascal, propõe-se a destino nestas eleições gerais sem complexos, com um discurso baseado no senso comum e que facilmente é perceptível pelos cidadãos independentemente do sexo ou da idade, de credos religiosos ou políticos: o “sentido común” que Abascal garante ser fácil de transmitir às pessoas na exacta medida em que vai ao encontro do que é natural, do que é óbvio para as famílias e para o cidadão que é alvo do saque fiscal, da insegurança e das múltiplas paranóias que o progressismo lhe impõe: o feminismo que não defende as mulheres; os “animalistas” que não defendem os animais; os comunistas que não defendem os trabalhadores; a perfeita loucura da chamada ideologia de género que castiga uma sociedade normal; a educação em que os pais pouco ou nada podem contra escolas e pedagogos na educação dos seus próprios filhos; a abertura à aceitação de uma imigração descontrolada que é terreno fértil para graves problemas futuros; uma lei de “memória histórica” que não é mais do que a determinação legal de um pensamento único e obrigatório.

E com entusiasmo, sem cair em discursos propícios a confusões hoje em dia tão desnecessárias como desactualizadas mas ainda assim alvo de violência nas ruas, com sedes e bancas de propaganda atacadas um pouco por todo o país, com democráticas esperas às porta dos seus eventos que já conduziram aos hospitais vários militantes, com exclusão dos debates televisivos sob o pretexto de ausência de representação parlamentar que noutros tempos não foi válido para outros projectos, desde logo o Podemos de Pablo Iglesias, o VOX soube assumir-se na cena política espanhola como um projecto porventura indispensável para garantir uma solução governativa.

Dirão alguns - e bem - que a recente tentativa de golpe de Estado na Catalunha em violação da constituição e dos direitos de milhões de espanhóis foi determinante e terreno fértil para o crescimento do partido de Santiago Abascal. Sem dúvida que sim, isso é evidente. Mas também porque o partido soube nessa ocasião assumir-se como voz de uma Espanha que não constatava qualquer acção eficaz por parte do governo de Madrid, temerário e incapaz de pôr cobro à questão, permitindo um esticar de corda que, como era óbvio desde o início, ganharia a repulsa cidadã. 

Temos então hoje uma proposta política simples, baseada no bom senso mas que não tem receio de dizer ao que vem, capaz de juntar avós e netos, homens e mulheres em sucessivas enchentes, aparentemente imune ao estúpido voto útil cuja lógica soube desmontar, elementos a que se junta uma liderança simpática e capaz de fixar eleitorado mas ao mesmo tempo habilidosa no momento de conquistar apoios à esquerda, junto dos mais débeis e vulneráveis, face ao “Bloco” lá do sítio cujos líderes se espreguiçam em piscinas privadas de moradias topo de gama que não logram explicar como compraram e a um PSOE que já nada tem de espanhol ou de obrero

Isto defendendo ao mesmo tempo a integridade territorial do Estado, a sua soberania perante Bruxelas, a defesa da Vida, da propriedade privada, de um mundo rural e de tradições locais cada vez mais olvidado pelo prêt-a-penser dos grandes centros urbanos, reforçando a denúncia de uma carga fiscal insustentável e do marxismo cultural cada vez mais todo poderoso, erguendo os valores do mérito, do esforço, da lealdade e do respeito à autoridade, sem complexos históricos: “não vamos pedir perdão a ninguém pelo percurso de “Isabel a Católica” - asseguravam há dias perante mais uma sala cheia.

Como é costume dizer-se, é muito fácil ser treinador depois do jogo. Faço então aqui o contrário: arrisco nesta sexta-feira, a quarenta e oito horas das eleições espanholas, que estas propostas políticas marcarão na noite de domingo, tal a dimensão dos resultados que irão obter, as notícias dos vários canais informativos  Antenas noticiosas que, mais ou menos em pânico, procurarão explicações sociológicas complexas dos professores Boaventuras para a coisa mais simples do mundo: o tal “sentido común” passado de geração em geração, coisa mais natural do mundo e que este VOX tomou como bandeira.

Se assim for, ficarão ensinamentos simples mas muito importantes também para um país como o nosso, uma vez que se insistia na ideia de que em Espanha e Portugal, vindos de décadas de autoritarismo, uma Direita desempoeirada estaria condenada ao fracasso. Domingo veremos se assim é.
 
Pedro Guedes da Silva