sábado, 30 de outubro de 2021

A ÚLTIMA NAU

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,

E erguendo, como um nome, alto o pendão

Do Império,

Foi-se a última nau, ao sol aziago

Erma, e entre choros de ânsia e de pressago

Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta

Aportou? Voltará da sorte incerta

Que teve?

Deus guarda o corpo e a forma do futuro,

Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro

E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,

Mais a minha alma atlântica se exalta

E entorna,

E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço.

Vejo entre a cerração teu vulto baço

Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,

Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora

Mistério.

Surges ao sol em mim, e a névoa finda:

A mesma, e trazes o pendão ainda

Do Império.

s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).

  - 71.