DO LUAR
O luar é azul em Chateaubriand e Victor Hugo, amarelo em Beaudelaire e Leconte de Lisle. Cá para mim — crescente, cheia ou minguante —, a luz da Lua será sempre prateada.
O luar é azul em Chateaubriand e Victor Hugo, amarelo em Beaudelaire e Leconte de Lisle. Cá para mim — crescente, cheia ou minguante —, a luz da Lua será sempre prateada.
Durante anos a fio — os da saída da adolescência e de entrada na idade teoricamente adulta —, andei sempre com um caderno de bolso de capa preta dura e folhas brancas lisas metido na algibeira do blazer, ou do blusão de cabedal, ou na mão, estivesse eu num café, num cinema, numa tertúlia, num concerto, num fim-de-semana alucinante, ou numa viagem distante. Na sequência deste hábito, possuo dezenas deles guardados; mas, não convenientemente organizados. Tenho a clara sensação que ganharei em lê-los com bastante distância temporal, e sei que me surpreenderei quando o fizer. Só espero não me assustar com o que lá vier a ver quanto lhes puser de novo os olhos em cima. Anseio sim por lá encontrar registadas sínteses das melhores conversas que tive nesses anos.
Aqui no blogue — bloco de apontamentos dos novos tempos digitais —, a coisa processa-se de diferente maneira; pois, todos os santos dias pomos a escrita em dia e deitamos conta à vida, através das mensagens anteriores e do arquivo (sempre à mão de semear). Acresce ainda a isto, muito especialmente, a interacção com amigos que nos enriquecem com oportunas trocas de opiniões feitas por computador, telemóvel, ou ditas de viva voz — por vezes até ao vivo e a cores (as melhores, porque mais saborosas). Desta forma, lançando pontes, trata-se já de conversar — essa superior arte que permite estabelecer e definir afinidades.
À laia de remate, posso dizer que consegui assim colocar ao meu serviço os modernos canais de comunicação à distância, tendo no entanto a certeza de ser o tradicional contacto directo e de proximidade o fim que justifica a utilização destes novos meios.
Gramsci, no século passado, chamou a atenção para a importância da cultura. Maomé, in illo tempore, definiu o papel decisivo da demografia. Ambos, hábeis políticos que eram, tinham razão; e, na realidade, a combinação dos dois factores revelou-se sempre determinante, ao longo dos tempos, para o sucesso de qualquer projecto geopolítico. Nações e impérios expandiram-se enquanto dominaram estes vectores e caíram quando deixaram de o fazer. Atendendo a que «o fim da História» afinal ainda não aconteceu, nem tampouco se deu ainda «o choque das Civilizações», as lições deles voltam a estar na ordem do dia.
E a conclusão é, portanto, simples: a civilização que tiver mais crianças e que conseguir educá-las nos seus valores acabará, mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente, por triunfar; e, desta, vez, talvez seja para todo o presente milénio. É uma óbvia constatação de realpolitik.
Para mal dos nossos pecados, a Europa cristã definha, dia após dia, a olhos vistos, em ambas as coordenadas.
Urge que as alvas calçadas da bela cidade branca avancem em largura sobre o negro alcatrão das estradas e que nelas sejam plantadas árvores.
Releio a obra Die Spatziergänge oder die Kunst spatzieren zu gehen, de Karl Gottlob Schelle, na edição francesa, da Rivages Poche / Petit Bibliothèque, intitulada l'Art de se Promener, e prefaciada e traduzida por Pierre Deshusses.
A propósito: quando é que em Portugal se começam finalmente a fazer edições boas para o bolso e para a bolsa? Por enquanto, de um modo geral, costumam ser feíssimas e caríssimas.
Este livrinho, escrito em 1802 por um amigo de Kant e correspondente de Goethe, permanece para mim como o mais útil manual da arte de bem passear (não confundir com as famigeradas caminhadas e corridas). Dúvidas houvesse e ficaria demonstrado neste pequeno ensaio que a simples prática física do passeio, de preferência feito em boa companhia, propicia prazer estético, ao mesmo tempo que nos transporta a uma elevada dimensão espiritual.
Duas coisas se perdem neste meio de comunicação. Meio de comunicação porque é de pôr em comum que se trata; pois, embora escreva estas notas soltas ao correr do teclado como se de um diário pessoal secreto se tratasse, sei bem que os meus estimados leitores estão aí desse lado. Afinal, é como se deixasse o caderno de apontamentos propositadamente esquecido na mesa do café, ou no compartimento do comboio, e ficasse escondido a observar, para poder ter, desta forma, duplamente, o perverso prazer voyeur de ver alguém pegar nele e lê-lo — atitude que, vice-versa, por educação e pudor, nunca teria em relação ao de outrém.
Dizia que duas coisas se perdem nesta «escrita à máquina» na «rede global»: são o tom e a caligrafia. O primeiro, vai todo pelo som e é o núcleo fundamental da linguagem oral, na medida em que reforça — ou cria, até, em certos casos — o verdadeiro significado das palavras. A derradeira, será a caligrafia. Sobre esta, múltiplas análises podem os especialistas produzir. Para já, constato com tristeza que está em vias de extinção. É portanto com nostalgia que deito os olhos a cartas escritas à mão, redigidas ainda na boa tradição epistolar — registo literário por onde passou tanta correspondência dos nossos antepassados: assim se namorou, se relataram viagens, se fizeram negócios, se participaram casamentos e nascimentos, se tomaram decisões privadas e públicas. Assim se fez História. E a grafologia não deixava mentir...
Vem tudo isto a propósito (ou a despropósito) de ter descoberto, qual sinal da idade, que a minha letra está a mudar.
Existe um texto com quase 26 anos de idade que permanece ainda hoje como fonte principal de iniciação teórica ao trabalho de criação artística de João Marchante. Aqui o tendes, à distância de um clique:
Imediatamente antes, por Leonor Nazaré.
Quem espera, encontra e cultiva estes supremos valores em epígrafe são os aristocratas do gosto e do espírito. Como recompensa têm efémeras sensações de serenidade e de felicidade, resultantes precisamente do vislumbre da beleza e do bem. É a verdade a revelar-se.
O recém-terminado mês foi o 4.º Junho com mais visualizações (16.528) desde o ano de 2010. Uma média diária de 550, portanto. Não ganho nada com isto, como se sabe. Mas não posso deixar de agradecer aos meus leitores.
Vigo-Monteiro-Truffaut-Jarmusch-Carax-Rivette-Wong-Wenders-Vadim-De Palma...
Nota editorial: post actualizado aos 18.7.25.
Lisboa Desaparecida, de Marina Tavares Dias, 9 Volumes, Quimera Editores, Lisboa, 1987-2007.
Obra fundamental. Não para botar figura em cima de uma mesa moderna na sala-de-estar. Nem para ficar a ganhar pó na estante. Mas sim para se ler de um só fôlego toda de seguida várias vezes ao longo da vida.
Jardins Secretos de Lisboa, de Manuela Gonzaga, Colecção Holograma, Âncora Editora, Lisboa, Novembro de 2005 (2.ª edição).
A sabedoria popular descamba amiúde no registo piroso, como se vê neste ditado, mas acerta sempre.
2 A. C. — Nascimento de São João Baptista.
1128 — Batalha de São Mamede — Fundação Nacional.
1360 — Nascimento de Dom Nuno Álvares Pereira / São Nuno de Santa Maria.
Durante séculos a fio a fidalguia distinguia-se pela acção, hoje em dia reconhece-se pela descontracção.
Hei-de aqui vir dissertar sobre o desfile de moda enquanto superior forma de arte. Por enquanto, fica o lembrete.
O mais belo espectáculo do mundo consiste simplesmente numa mulher que saber pisar a caminhar num boulevard.
Nota: Antes de ser apodado de snob aviso já que esta ideia se aplica transversalmente a todas as classes sociais.
Num delicioso almoço rústico, mas requintado, numa mágica serra portuguesa, onde se encontravam pessoas de várias gerações, uma simpática e prestável jovem aproxima-se dum solitário cavalheiro de outras eras e pergunta-lhe:
-- Então, o tio está aqui sozinho?
-- Estou a contemplar a paisagem.
-- Quer que lhe traga uma salada, para acompanhar a feijoada?
-- Não, obrigado, nunca como a paisagem.
Foi uma das coisas mais extraordinárias que ouvi e não podia deixar de a partilhar aqui assim com os meus leitores.
Momento que acontece imediatamente antes do pôr-do Sol e que gera uma alquímica luz dourada.
Instante propício ao pensamento mas também à acção.
Cá para mim, tempo ideal para observar a Natureza ou fotografar a natureza humana.
A nortada que habitualmente varre Lisboa em Junho, além de purificar o poluído ar da cidade, transporta, desde o Campo Grande até às Avenidas Novas, o delicioso aroma das Tílias em flôr.
Nesta época pré-solsticial, a mais bela árvore da cidade é a monumental Tipuana do Jardim Botânico da Universidade de Lisboa. Está, certamente, em flôr; e, quando assim é, estende-nos um tapete amarelo, tecido pelas suas folhas caídas, para nos receber. Além disso, acolhe-nos e abriga-nos, generosamente, à sua sombra. Neste ano ainda não fui visitá-la. Já tenho saudades dela.
A pedido de vários leitores do Eternas Saudades do Futuro republico mais uma vez esta mensagem onde revelo que a árvore do cabeçalho do blogue se chama Paineira (Chorisia speciosa). Esteticamente belíssima é a cor das suas flores, as quais podemos ver na sua plenitude em Outubro. E especialmente simbólico é o facto de os seus troncos e ramos serem cobertos de cónicos espinhos afiados que ajudam a capturar e conservar a água para posteriores períodos de seca. Árvore sábia, portanto.
Inglaterra é feminina, Portugal é masculino;
Inglaterra é terra-a-terra, Portugal é aéreo;
Inglaterra é aquática, Portugal é fogo;
Inglaterra é concreta, Portugal é abstracto;
Inglaterra é acção, Portugal é pensamento;
Inglaterra é pragmática, Portugal é diletante;
Inglaterra é dramática, Portugal é lírico,
Inglaterra é determinada, Portugal é obsessivo;
Inglaterra é convencional, Portugal é instintivo;
Inglaterra é corajosa, Portugal é heróico;
Inglaterra é filosófica, Portugal é espiritual;
Inglaterra é irónica, Portugal é gozão;
Inglaterra é D. Filipa de Lencastre, Portugal é D. João I.
Este é a minha primeira mensagem do mês de Junho de 2025: começou o mês que os antigos romanos dedicavam à deusa Juno (para conhecer a sua eterna beleza, espreitai aqui) -- por estas e outras me sinto Júpiter.
Um pequeno grupo de amigos encontra-se reunido em semi-círculo à volta de um ecrã a visionar um programa televisivo. Já se sabe que nas comunidades familiares e afins a televisão substitui nos tempos modernos a lareira e o benéfico poder gregário que esta outrora exercia com a sua luz bailarina e o seu calor sensual. Ficámos portanto todos a perder pois entre outras coisas matou-se a conversa. Mas este tema fica para futura dissertação. Vamos então ao que hoje quero aqui partilhar. O atrás referido programa a que o grupo assistia teve uma pausa, um dos amigos levantou-se e disse: «intervalo, para acordar». Se primeiro senti espanto ao ouvir aquela frase, olhando de seguida em volta e vendo que vários dormiam, rapidamente percebi que estávamos perante um genial aforismo.
[Texto inspirado pelo meu amigo ABPS, a quem dedico esta publicação]