SEM AGENDA
O Urbanismo Modernista e o Novo Urbanismo (Parte I)
A começar na Europa e nos Estados Unidos e a acabar, hoje em dia, na generalidade das metrópoles e, mais ainda, nas gigantescas - para lá de tudo o imaginável - megalópoles dos cinco continentes, não só o seu aspecto visual caótico e incompreensível, como inclusivamente toda a vivência diária experimentada pela generalidade dos habitantes dessas novas paisagens, construídas posteriormente à Segunda Guerra Mundial - as quais afectam e fatalmente condicionam, directa ou indirectamente, tudo o mais num vasto raio em seu redor - não podem deixar de nos fazer sobressaltar, interrogar e indignar.
Este problema das condições da vida urbana actual, trata-se sem dúvida de um resultado parcial, embora obviamente do máximo alcance e importância para todos - pessoas, famílias, comunidades, nações, continentes inteiros - de um conjunto extremamente complexo de fenómenos dinâmicos, a várias escalas - local, regional, continental, mundial - e de várias naturezas - económica, política e geo-estratégica, ambiental, cultural, religiosa - os quais, se bem que infinitamente justapostos e interdependentes, nos conduzem todos, ou a maior parte deles, assim o julgo, à fonte de onde dimanam principalmente: o paradigma de desenvolvimento vigente de há cerca de dois séculos a esta parte, ou seja, a nossa civilização industrial, materialmente tornada possível pelos fantásticos progressos da ciência e da técnica e pelo consumo dos combustíveis fósseis baratos, e culturalmente dirigida pela família das correntes de pensamento que triunfaram, até ver - a ideologia da modernidade - definida com maior rigor a partir dos Iluminados da Baviera e de Rousseau, que se caracteriza pela emergência metafísica do homem rebelde (1), e por isso revolucionária, anti-tradicional e aberta ou dissimuladamente totalitária, que tem vindo a assumir as várias formas históricas de todas conhecidas, desde o liberalismo selvagem do século XIX ao actual liberalismo democrático, híbrido não menos selvagem, radicalmente ateu e mundialista, passando pelos vários totalitarismos sangrentos do século XX. Temos vivido portanto, de há longo tempo, no Ocidente, embora também, aqui e além, com felizes lacunas e oásis, tempos essencialmente revolucionários e contrários às verdadeiras liberdades necessárias à realização da vida humana natural, ou seja, para um crente como eu, aquela que não só nos foi dada, como também nos foi destinado reconhecê-la e praticá-la, pelo Criador de todas as coisas.
Foi este longo parágrafo acima para por ele começar a enquadrar histórica e culturalmente a evolução do urbanismo dos últimos cerca de oitenta anos até ao que hoje se nos apresenta. A arquitectura e o urbanismo modernistas emergiram decisivamente no período de entre-guerras, com a recepção verificada, por algum público mas sobretudo pelas elites bem pensantes da época, das propostas dos arquitectos modernistas dos anos vinte e trinta do século passado, entre os quais se destacou, de longe, pela sua larga influência, o ideólogo da arquitectura e do urbanismo Le Corbusier, em 1926 com a apresentação dos seus 5 pontos da Nova Arquitectura, e posteriormente, em 1933, com a redacção da chamada Carta de Atenas, saída do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna - CIAM.
A Carta de Atenas, que veio a ser mais tarde, sobretudo depois da II Grande Guerra, a bíblia do urbanismo modernista, revelou-se essencialmente um manual técnico de desenvolvimento industrial. Tendo sido apresentada com o louvável objectivo de resolver o problema das más condições de vida, mormente da classe operária, na cidade industrial, bem como o congestionamento do transito atribuído às malhas urbanas cerradas e a falta de suficiente espaço público para o lazer e a cultura, o seu pressuposto essencial consistiu em pensar a cidade - em consonância com o alegado Zeitgeist - como uma verdadeira máquina - a Cidade Funcional - objecto esse a concretizar primordialmente através do chamado zoning (segregação espacial dos vários tipos principais de funções numa cidade: residencial, comercial, industrial, lazer e cultura, etc., interconectadas por vias de acesso rápido), complementado com a criação de vastas áreas de parque ajardinado, ocupadas com grupos de arranha-céus isolados, para as ocupações terciárias e a habitação das classes superiores, e com numerosas unidades lineares de habitação colectiva extensiva.
O zoning - hoje em dia já largamente desacreditado tanto por força dos muitos efeitos destructivos provocados nas cidades tradicionais europeias (lembro, entre nós, a bárbara destruição realizada em grande parte da Alta de Coimbra para a concentração da Cidade Universitária, ou as ameaças, felizmente não concretizadas, do "saneamento" de uma área significativa da Ribeira do Porto ou da demolição de parte Bairro Alto, em Lisboa) como também, e certamente com maior razão ainda, no caso dos incontáveis novos aglomerados e extensões urbanas, que não merecem o nome de cidade, dado o tipo de vida urbana que neles fatalmente criou, com as constantes e penosas deslocações pendulares entre centro e periferia, a criação de sítios geralmente sem carácter e sem alma e a desumanização ou mesmo a completa anulação de toda e qualquer experiência cívica - continua a reflectir-se, contudo, de forma bem patente e durável, na feição geral dos ambientes urbanos no Ocidente e não só, apesar das tentativas de correcção, as quais, todavia, raramente abordam os aspectos essenciais do problema. O crescente número de demolições e de implosões de edifícios modernistas é deste fracasso apontado um claro sintoma.
Traz-me isto à memória, infelizmente, a verdade contida no seguinte aforismo de Nicolás Gómez Dávila: «o homem moderno destrói mais quando constrói do que quando destrói».
Na próxima semana introduzirei o movimento urbanístico alternativo, nascido há cerca de três décadas nos Estados Unidos e já hoje aí com larga implantação, e com bastante influência também na Europa e noutros pontos do mundo, que dá pelo nome de New Urbanism.
Francisco Cabral de Moncada
<< Home