sexta-feira, 28 de outubro de 2022

A PROPÓSITO DA MINHA QUERIDA EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA «VÍDEOS PRIVADOS»

As imagens fixas reveladas

João Marchante na presente exposição de fotografia intitulada Vídeos Privados tem como ponto de partida momentos intimistas da sua videografia (iniciada em 1987). Assim, podemos reconhecer remakes de cenas que na sua origem correspondiam a zonas específicas nas histórias dos seus vídeos e que funcionavam em articulação com o todo. Agora, pelo contrário, observamos uma descontextualização que leva essas acções a transformarem-se em momentos auto-suficientes, pondo em causa a montagem clássica e, logo, a narrativa convencional. 
Tudo isto faz sentido se tivermos em atenção que o artista sentiu necessidade de parar as imagens, num percurso inverso ao habitual nestas andanças. Queremos com isto dizer que, após exactamente dez anos de criação de imagens em movimento, inicia, em 1997, um caminho de produção de peças fotográficas com imagens retiradas do cinema clássico americano (Projecto Azul). Nesta exposição, o autor já ultrapassava a mera apropriação desses fotogramas para os fazer atravessar vários meios através dos quais as imagens saíam formalmente enriquecidas em textura e cor.
No ano seguinte, em Peixe Fora d'Água, parte de imagens videográficas suas, especialmente concebidas e captadas para serem transformadas em fotografias. Será aqui conveniente sublinhar a utilização do vídeo e do polaroid como dois suportes rápidos e imediatos favorecendo o pessoalíssimo  intimismo que sempre  povoou o trabalho do videoartista e fotógrafo.
É aliás logo em Peixe Fora d'Água que vemos claramente a importância da montagem cinematográfica no seu trabalho e detectamos até experiências, agora com imagens fixas, que remetem para Griffith e Eisenstein. 
Na exposição fotográfica imediatamente antes da actual (Noite Americana), o artista mergulhou na História do Cinema, seleccionando, para nos apresentar, uma série de momentos de filmes de culto, supostamente pessoal, que surgem agora como imagens descontextualizadas e reorganizadas em trípticos; fórmula esta de raiz sagrada que, aqui, eleva as imagens a uma categoria místico-mítica. A escolha recai essencialmente sobre fragmentos figurativos, onde rosto  e corpo adquirem uma especial relevância, transportando-nos, assim, para algumas das suas obras em vídeo - Provocação, O Inquérito, Casting - em que a pesquisa na organização espácio-temporal é mais evidente, a par de uma fria capacidade analítica envolta numa superfície quente e sensual.
Ao chegarmos a Vídeos Privados deparamo-nos, portanto, com um universo pessoal habitado por referências cinéfilas, mas também pelas suas próprias imagens, o que nos convoca, pela primeira vez na sua produção artística, para um verdadeiro jogo de identificação e reconhecimento, com o objectivo de colocar cada peça do puzzle no seu lugar, como que num exercício de imagem e montagem em que o olho e a memória são as suas principais armas. Note-se que estas questões sempre estiveram presentes na sua criação fotográfica mas é a primeira vez que imagens suas surgem montadas com imagens do mundo cinematográfico.
Antes de aportarmos aqui, é importante sabermos que João Marchante, a partir de 1993, com From Oporto with Love e Viagem através das Estrelas, iniciou uma nova fase da sua obra em vídeo, procedendo à remontagem de material previamente organizado. É com este ciclo de fragmentação física e reorganização conceptual que redescobre a força criativa da montagem, destruindo o que restava de alguma narrativa clássica no seu trabalho.
Retomando o fio à meada, chegou a hora de referir a actual fase, na qual o artista realiza vídeos que respigam cenas de anteriores filmes seus, agora rodadas de novo como acções isoladas e depuradas, como já fomos revelando no primeiro parágrafo destas linhas.  Estes remakes - se assim se lhes pode chamar - são vídeos em plano-sequência (fórmula muito ao gosto das opções estéticas do autor), que adquirem, por esta via, uma renovada capacidade narrativa, decorrente da força da unidade de espaço, tempo e acção.
E é finalmente destes vídeos feitos fotografias - e montadas (na dupla acepção fílmica e expositiva)  estas com imagens vindas do cinema - que surge a presente exposição Vídeos Privados, onde as personagens femininas, construídas e reveladas por João Marchante, plenas de subliminar tensão erótica, como sempre, voltam também a ter um protagonismo denso e sólido, todo ele feito de complexas camadas, como que acabadas de vir de uma viagem de treze anos de imagens em movimento com constantes desmultiplicações e transmutações físicas e psicológicas.  

Maria de Menezes

(Texto escrito em Abril de 2000 e revisto em Outubro de 2022)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A PROPÓSITO DO MEU QUERIDO VÍDEO «AR»

Icarus

De novo os telhados. Lisboa Modernista.
Sol.
Vento/catavento. O moinho de vento.
Figura mitológica desenha espirais com os braços. Asas ou pseudo-asas.
O avião passa e nós ficamos, mas somos seres extra-terrestres. 
Corpo à transparência. Gola esquisita, transformada mais tarde em pescoço.
Azul claro / amarelo. Amarelos e laranjas pontuais acentuadores de zonas. A luz e a sombra.
Com o tempo, a imagem vai-se focalizando.
Como sempre, a quadrícula. Amianto ou outros materiais de protecção ou revestimento. Cancerígenos?

O vídeo de Marchante recorre à dança ou à expressão corporal dos actores com muita naturalidade e frequência, mas o essencial continua a ser a matéria fílmica muito espessa, qual empaste de tinta de óleo, que introduz a opacidade na transparência da lente e nos transmite uma sensação tão táctil como visual.
É uma sequência estetizante sem dúvida, mas plena de conteúdos simbólicos. Arte na tradição simbolista.

Filipe Rocha da Silva

(Notas de visionamento escritas em Maio de 2000)

[Ficha técnica: Ar (VHS/Cor/Mudo - Com acompanhamento sonoro variável/13'19''/Portugal, 1999), de João Marchante

A PROPÓSITO DO MEU QUERIDO VÍDEO «FOGO»

Sulphur

O imaginário é sado-masoquista-chic.
Movimentos oscilantes de cabeça.
Corpo frio sobre fundo quente.
Body tem cubos.
Imobilidade preta e vermelha. Perpassa um odor levemente sulfuroso. Mais tarde entra em cena um amarelo equilibrante.
Conjugação de ligas e top, écharpe, colar de flores, chicote brilhante.
Bastão ou faca de fazer hara-kiri.
Fade out.
Queres fumar um cigarro?
Irrompem os políticos.
O imaginário é tauromáquico-assassino.
Afastamento da imagem.

Filipe Rocha da Silva

(Notas de visionamento escritas em Maio de 2000)

[Ficha técnica: Fogo (VHS/Cor/Mudo - Com acompanhamento sonoro variável/19'09''/Portugal, 1999), de João Marchante

A PROPÓSITO DO MEU QUERIDO VÍDEO «TERRA»

A Vertigem 

Na transição a partir da água, nasce o sol e antenas de televisão. O telhado. O céu, para o qual nos podemos elevar apenas em movimentos repentinos, estará se possível ainda mais acima.
Uma varanda, ela própria em movimento, apesar de se encontrar em suspensão. A vertigem, como oportunidade sedutora de fácil suicídio. Olhar de cima para baixo aos 5,15 minutos, para acentuar essa vertigem, própria de lugar alto. 
A janela, que na Água era saída, é agora desejo de entrada. O que é colocado dentro do écran sugere-nos aquilo que poderá estar temporariamente fora dele, a relatividade das situações humanóides.
O som, sem pré-determinação sincrónica, diz-nos através dos chilreios de pássaros interrogativos que afinal o acaso não existe e o sincronismo está sempre presente. Sobrepõem-se sistemas de re-filmagem: filmagens de filmagens. O objecto é claramente o medium.
A tempestade iónica é sempre recorrente.
Muito bâton e forte make-up são sinais de produção.
Fato brilhante de superfície plástico-metálica: presença de novas tecnologias sobre o corpo. Os materiais de revestimento impenetráveis à humidade, a pele dos telhados, revelam uma constante quadrícula.

Filipe Rocha da Silva

(Notas de visionamento escritas em Maio de 2000) 

[Ficha técnica: Terra (VHS/Cor/Mudo - Com acompanhamento sonoro variável/13'03''/Portugal, 1999), de João Marchante]

A PROPÓSITO DO MEU QUERIDO VÍDEO «ÁGUA»

A Consciência dos Limites 

W. C. iluminado com luzes de néon. Foi inundado. Imagens sub-aquáticas obtidas ao nível do chão a partir do fundo da piscina, através de um vidro que constituiria uma das paredes do W. C., assim preparado para este acto voyeurístico.
O corpo é simplificado e estilizado pelo grafismo do vestido assimétrico, semi-top (apenas um seio).
Chegará ela ao céu/tecto, para onde os longuíssimos braços se parecem erguer?
A certa altura parece haver uma sucessão ad infinitum de aparelhos de televisão ou a aquofobia. Ou apenas a delimitação, o desenho e a consciência dos limites, como única saída possível. O movimento perde-se, destituído do complemento de lugar aonde. Só uma quadrícula azulada estruturante nos lembra que algures existe um mapa. Na água é impossível de tocar, porque ela é como o ar. Parece uma experiência espacial, em que predomina no movimento a ausência de gravidade. Daí a câmara lenta, os movimentos descontínuos percorridos por etapas ou degraus.
Sonoplastia com vozes, mantras e cantos (contos) longínquos. Algaraviada de crianças.
Linha horizontal estruturante da imagem sempre a passar e a lembrar que é televisão. Sob ela cruza a verticalidade da figura .
Exagero cromático fauvista de cores saturadas e complementares laranja/azul, interrompido por tempestades iónicas azuladas periódicas. Sucessivas mortes e ressurreições.

Filipe Rocha da Silva  

(Notas de visionamento escritas em Maio de 2000)

[Ficha técnica: Água (VHS/Cor/Mudo - Com acompanhamento sonoro variável/22'40''/Portugal, 1999), de João Marchante]

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

DA MORTE E RESSURREIÇÃO DAS PÁTRIAS

Basta olhar com olhos de ver para se perceber que o Reino Unido morreu com a morte da Rainha Isabel II. Não me refiro apenas à respectiva Monarquia, refiro-me ao Estado. Aliás, a mesma morte teve Portugal aquando do trágico e triste assassinato do Rei D. Carlos I. Contudo, a ressurreição está ao alcance de ambos os históricos Países. Haja esperança!

A ÚLTIMA NAU

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,

E erguendo, como um nome, alto o pendão

Do Império,

Foi-se a última nau, ao sol aziago

Erma, e entre choros de ânsia e de pressago

Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta

Aportou? Voltará da sorte incerta

Que teve?

Deus guarda o corpo e a forma do futuro,

Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro

E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,

Mais a minha alma atlântica se exalta

E entorna,

E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço.

Vejo entre a cerração teu vulto baço

Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,

Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora

Mistério.

Surges ao sol em mim, e a névoa finda:

A mesma, e trazes o pendão ainda

Do Império.

s.d.

MensagemFernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).

 

DA NOVA RECONQUISTA

A Conquista de Lisboa aos mouros (muçulmanos, islâmicos, sarracenos, árabes   chamem-lhes como quiserem), inserida no grande movimento europeu da Reconquista Cristã, foi aos 21 de Outubro de 1147. Só por isso se afigura possível estarmos, aqui e agora, na nossa pátria, livres de «submissão», a professar a nossa fé e a falar a nossa língua. Contudo, certamente ninguém nos me(r)dia referirá esta tão fundamental quão fundacional data. Ainda para mais, numa época em que o Islão está outra vez de forma ameaçadora às portas da Europa, quando não já de maneira ostensivamente agressiva dentro de vários dos países do Velho Continente. Valha-nos por cá a certeza — toda ela lusitana intuição — de que não faltará muito para a chegada de um novo D. Afonso Henriques.

LEPANTO

Há 451 anos, aos 7 de Outubro de 1571, teve lugar a batalha naval de Lepanto. A Cristandade (Veneza e seus aliados, entre os quais estavam Portugueses) alcançou contra os Turcos um triunfo que parou a expansão otomana na Europa. Este sucesso do cristianismo contra o islamismo marca o estabelecimento da festa de Nossa Senhora do Rosário, a quem o Papa S. Pio V rezou para obter a vitória em Lepanto.

AINDA O 5 DE OUTUBRO: DEPOIS DE 1143, 1520

O Rei Dom Manuel I, tendo em vista os serviços dos moradores da Vila de Estremoz, e a ser ela uma das mais populosas do Reino, e habitada de muita Nobreza, a honrou, dando-lhe o título de Vila Notável, por Carta passada em Évora a 5 de Outubro de 1520.

RECORDANDO HOJE E SEMPRE A FUNDAÇÃO NACIONAL

Portugal nasceu a 24 de Junho de 1128,  na Batalha de S. Mamede; foi baptizado a 25 de Julho de 1139, na Batalha de Ourique; e, foi registado a 5 de Outubro de 1143, no Tratado de Zamora. 

sábado, 1 de outubro de 2022

OUTUBRO

Entrámos no meu querido mês de Outubro. Meu mês favorito. Chegou doce e morno. Aliás sempre assim foi desde que este blogue veio a lume. As outonais flores do cabeçalho do Eternas Saudades do Futuro devem portanto estar quase a aparecer ao vivo e a cores nas árvores de certas artérias secretas de Lisboa. Momento ideal para dar passeios contemplativos com pessoas iniciadas nestas matérias estéticas. Tempos de luz dourada. Coisas do espírito e da alma.

CLUBE DOS CAVALHEIROS COM BIBLIOTECA

À medida que a vida avança vou trocando o convívio entre as pessoas pela intimidade com os livros. Será a idade da sabedoria a chegar ou apenas uma fase de misantropia? Contudo, contrariando esta tendência e tentando conciliar as coisas, e seguindo o meu velho impulso para fazer sínteses e lançar pontes, pretendo relançar definitivamente o, por mim há muito congeminado, Clube dos Cavalheiros com BibliotecaEspero que esta tertúlia venha a ter existência tão longa quanto o Clube dos Amigos da Sétima Arte, a qual já vai em 18 anos bem contados e melhor passados!

DO OUTONO

Todas as Estações do Ano têm qualquer coisa de mágico-simbólico. São, portanto, reveladoras. No caso do Outono, reconduz à Primavera. Por consequência, no mês de Outubro - supra-sumo, cá para mim, do Outono - sinto-me sempre com renovados 20 anos. 

CONSELHO AOS JOVENS CINEASTAS

Em primeiro lugar o cinema deverá mostrar o que as pessoas estão a fazer, pensar e sentir. Só depois o que estão a dizer. Caso contrário nada acrescentaria à literatura. 

CONSELHO AOS JOVENS CRIADORES

Aprender as regras como um profissional para as quebrar como um artista.